Como ‘Duna’ se tornou um farol para o movimento ambientalista

Imagem das dunas de um deserto com o pôr do sol ao fundo ilustram o post que aborda como 'Duna' se tornou um farol para o movimento ambientalista.
As dunas de Umpqua, no estado americano do Oregon, parecidas com as dunas da foto acima, inspirou o desértico planeta Arrakis do filme ‘Duna’, baseado no livro homônimo de Frank Herbert. Créditos: Pezibear/Pixabay.
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Duna“, largamente considerado um dos melhores romances de ficção científica de todos os tempos, continua a influenciar a forma como escritores, artistas e inventores vislumbram o futuro.

Claro, há os filmes visualmente impressionantes de Denis Villeneuve, “Duna: Parte Um” (2021) e “Duna: Parte Dois” (2024).

Mas a obra-prima de Frank Herbert também ajudou a romancista afrofuturista Octavia Butler a imaginar um futuro de conflito em meio à catástrofe ambiental; inspirou Elon Musk a construir a SpaceX e a Tesla e empurrar a humanidade em direção às estrelas e a um futuro mais verde; e é difícil não ver paralelos na franquia “Star Wars” de George Lucas, especialmente seu fascínio por planetas desérticos e vermes gigantes.

E, no entanto, quando Herbert se sentou em 1963 para começar a escrever “Duna”, ele não estava pensando em como deixar a Terra para trás. Ele estava pensando em como salvá-la.

Herbert queria contar uma história sobre a crise ambiental em nosso próprio planeta, um mundo levado à beira da catástrofe ecológica. Tecnologias que eram inconcebíveis apenas 50 anos antes haviam colocado o mundo à beira da guerra nuclear e o meio ambiente à beira do colapso; indústrias pesadas estavam sugando a riqueza do solo e lançando fumaça tóxica na atmosfera.

Quando o livro foi publicado, tais temas também estavam no centro das atenções dos leitores. Afinal, eles estavam vivendo na esteira da crise dos mísseis cubanos e da publicação de “Primavera Silenciosa” – estudo histórico da conservacionista Rachel Carson sobre a poluição e sua ameaça ao meio ambiente e à saúde humana.

“Duna” logo se tornou um farol para o incipiente movimento ambientalista e uma bandeira de mobilização para a nova ciência da ecologia.

Saberes indígenas

Embora o termo “ecologia” tivesse sido cunhado quase um século antes, o primeiro livro sobre ecologia não foi escrito até 1953, e o campo raramente foi mencionado em jornais ou revistas da época. Poucos leitores tinham ouvido falar da ciência emergente, e menos ainda sabiam o que ela sugeria sobre o futuro do nosso planeta.

Enquanto eu estudava “Duna” para um livro que estou escrevendo sobre a história da ecologia, fiquei surpreso ao saber que Herbert não aprendeu sobre ecologia enquanto era aluno ou como jornalista. Em vez disso, ele foi inspirado a explorar a ecologia pelas práticas de conservação das tribos do noroeste do Pacífico. Ele soube delas por dois amigos em particular.

O primeiro foi Wilbur Ternyik, um descendente do chefe Coboway, o líder Clatsop que recebeu os exploradores Meriwether Lewis e William Clark quando sua expedição chegou à Costa Oeste em 1805. O segundo, Howard Hansen, foi um professor de arte e historiador oral da tribo Quileute.

Gramíneas de praia e outras plantas ajudam a proteger as dunas de areia. Créditos: Demiahl/Pixabay.

Ternyik, que também era um ecologista especializado de campo, levou Herbert em um passeio pelas dunas do Oregon em 1958. Lá, ele explicou seu trabalho para construir enormes dunas de areia usando gramíneas de praia e outras plantas profundamente enraizadas, a fim de evitar que as areias soprassem para a cidade vizinha de Florence – uma tecnologia de terraformação descrita longamente em “Duna”.

Como Ternyik explica em um manual que escreveu para o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, seu trabalho no Oregon foi parte de um esforço para curar paisagens marcadas pela colonização europeia, especialmente os grandes cais fluviais construídos pelos primeiros colonizadores.

Essas estruturas perturbavam as correntes costeiras e criavam vastas extensões de areia, transformando trechos da exuberante paisagem do noroeste do Pacífico em deserto. Esse cenário encontra eco em “Duna”, onde o cenário do romance, o planeta Arrakis, foi igualmente destruído por seus primeiros colonizadores.

Hansen, que se tornou padrinho do filho de Herbert, havia estudado de perto o impacto igualmente drástico que a exploração madeireira teve nas terras do povo Quileute, no litoral de Washington. Ele encorajou Herbert a examinar a ecologia cuidadosamente, dando-lhe uma cópia de “Where There is Life“, de Paul B. Sears, do qual Herbert reuniu uma de suas citações favoritas: “A mais alta função da ciência é nos dar uma compreensão das consequências”.

Os Fremen de “Duna”, que vivem nos desertos de Arrakis e gerenciam cuidadosamente seu ecossistema e vida selvagem, incorporam esses ensinamentos. Na luta para salvar seu mundo, eles misturam habilmente a ciência ecológica e as práticas indígenas.

Tesouros escondidos na areia

Mas o trabalho que teve o impacto mais profundo em “Duna” foi o estudo ecológico “The Sociology of Nature“, de Leslie Reid, de 1962.

Nele, Reid explicou ecologia e ciência do ecossistema para um público popular, ilustrando a complexa interdependência de todas as criaturas dentro do ambiente.

“Quanto mais profundamente a ecologia é estudada”, escreve Reid, “mais claro se torna que a dependência mútua é um princípio governante, que os animais estão ligados uns aos outros por laços inquebráveis de dependência”.

Nas páginas do livro de Reid, Herbert encontrou um modelo para o ecossistema de Arrakis em um lugar surpreendente: as ilhas guano do Peru. Como explica Reid, os excrementos de aves acumulados encontrados nessas ilhas eram um fertilizante ideal. Lar de montanhas de estrume descrito como um novo “ouro branco” e uma das substâncias mais valiosas da Terra, as ilhas guano tornaram-se no final de 1800 o marco zero para uma série de guerras de recursos entre a Espanha e várias de suas ex-colônias, incluindo Peru, Bolívia, Chile e Equador.

No centro da trama de “Duna” está uma batalha pelo controle da “especiaria”, um recurso inestimável. Colhido das areias do planeta desértico, é um tempero luxuoso para comida e uma droga alucinógena que permite que algumas pessoas dobrem o espaço, tornando possíveis viagens interestelares.

Há alguma ironia no fato de que Herbert cozinhou a ideia de especiaria a partir de excrementos de pássaros. Mas ele ficou fascinado com o relato cuidadoso de Reid sobre o ecossistema único e eficiente que produziu uma mercadoria valiosa – embora nociva.

Como explica o ecologista, as correntes frias no Oceano Pacífico empurram nutrientes para a superfície das águas próximas, ajudando o plâncton fotossintético a prosperar. Estes sustentam uma população impressionante de peixes que alimentam hordas de aves, juntamente com baleias.

Nos primeiros rascunhos de “Duna”, Herbert combinou todas essas etapas no ciclo de vida dos vermes gigantes, monstros do tamanho de um campo de futebol que rondam as areias do deserto e devoram tudo em seu caminho.

Herbert imagina cada uma dessas criaturas aterrorizantes começando como pequenas plantas fotossintéticas que crescem em “trutas de areia” maiores. Eventualmente, elas se tornam imensos vermes que agitam as areias do deserto, expelindo especiarias na superfície.

Tanto no livro quanto [no filme] “Duna: Parte Um”, o soldado Gurney Halleck recita um verso enigmático que comenta essa inversão da vida marinha e os regimes áridos de extração: “Porque eles sugarão a abundância dos mares e do tesouro escondido na areia”.

Revoluções ‘Duna’

Depois que “Duna” foi publicado em 1965, o movimento ambientalista o abraçou ansiosamente.

Herbert falou no primeiro Dia da Terra da Filadélfia, em 1970, e na primeira edição do Whole Earth Catalog – um famoso manual e boletim DIY [faça você mesmo] para ativistas ambientais – “Duna” foi anunciado com o slogan: “A metáfora é ecologia. O tema revolução”.

Frank Herbert em 1984. Créditos: Wikimedia Commons/Domínio Público.

Na abertura da primeira adaptação de “Duna” de Denis Villeneuve, Chani, uma indígena Fremen interpretada por Zendaya, faz uma pergunta que antecipa a conclusão violenta do segundo filme: “Quem serão nossos próximos opressores”?

O corte imediato para um Paul Atreides adormecido, o protagonista branco que é interpretado por Timothée Chalamet, leva a mensagem anticolonial para casa como uma faca. Na verdade, ambos os filmes de Villeneuve elaboram habilmente os temas anticoloniais dos romances de Herbert. Infelizmente, o limite de sua crítica ambiental não é afiado. Mas Villeneuve sugeriu que também poderia adaptar “Duna Messias” para seu próximo filme da série – um romance em que o dano ecológico a Arrakis é flagrantemente óbvio.

Espero que o presciente aviso ecológico de Herbert, que ressoou tão poderosamente entre os leitores nos anos 1960, seja desembainhado em “Duna 3”.

Artigo original (em inglês) publicado por Devin Griffiths na The Conversation US.


Sobre o autor
Devin Griffiths é Professor Associado de Inglês e Literatura Comparada da Faculdade Dornsife de Letras, Artes e Ciências na Universidade do Sul da Califórnia.

Declaração de Transparência

Devin Griffiths não trabalha, não faz consultoria, nem possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e também não revelou nenhum vínculo relevante além do cargo acadêmico que ocupa.

A Faculdade Dornsife de Letras, Artes e Ciências da Universidade do Sul da Califórnia fornece financiamento como membro do The Conversation US.

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