Remover carbono do ar pode ajudar a conter o aquecimento global

Imagem de uma usina soltando fumaça por quatro chaminés sobe um céu azul claro e pôr do sol ao fundo ilustra o post cujo título é: Remover carbono do ar pode ajudar a conter o aquecimento global
Sistemas de captura, uso e armazenamento de carbono são uma alternativa para o país mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Crédito: Catazul/Pixabay.

Nos esforços para conter o aquecimento global, um conjunto de tecnologias promissoras tem ganhado destaque. São os sistemas projetados para captura, utilização e armazenamento de carbono, que visam diminuir a concentração de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera e, assim, mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Tais sistemas são capazes de separar e impedir a liberação do gás carbônico gerado durante a exploração, a produção e o uso de combustíveis fósseis e biocombustíveis, ou mesmo capturá-lo diretamente na atmosfera, estocando-o em seguida por longos períodos em reservatórios geológicos no subsolo ou reutilizando-o direta ou indiretamente em outros produtos.

Quatro projetos do gênero, conhecidos pela sigla CCUS (Carbon Capture, Utilization and Storage), estão sendo preparados para entrar em operação em escala-piloto no país nos próximos meses e devem ser os primeiros a funcionar em instalações terrestres no território nacional. A Petrobras, que já realiza operações CCUS em 23 plataformas marítimas de petróleo e gás, deu início à implementação de um sistema de captura e armazenamento em sua unidade de processamento de gás natural de Cabiúnas, em Macaé, no Rio de Janeiro.

Outra petroleira, a Repsol Sinopec Brasil, joint venture entre a espanhola Repsol e a chinesa Sinopec, desenvolve dois projetos que preveem reduzir o estoque de carbono presente na atmosfera por meio de sistemas de captura de carbono diretamente do ar. A iniciativa tem parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e com o centro de ensino, pesquisa e desenvolvimento tecnológico Senai Cimatec, na Bahia.

Em São Paulo, o Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), resultado de uma parceria entre a petroleira Shell e a FAPESP, planeja instalar no próximo ano uma planta-piloto CCUS no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) para a geração de metanol verde, combustível renovável cuja produção não libera poluentes no ar. Para isso, a unidade empregará o CO₂ capturado no processo de produção do etanol.

“A captura de carbono tem papel fundamental na transição energética”, afirma o engenheiro e físico Julio Romano Meneghini, diretor científico do RCGI. “O mundo precisa urgentemente deixar de depender de petróleo, gás natural e carvão. Enquanto essa dependência existir, é necessário capturar e armazenar o CO₂ decorrente do processo do uso dos combustíveis fósseis.”

Gráfico mostrando as etapas de captura, transporte, uso e armazenamento de carbono para ilustrar o artigo: Remover carbono do ar pode ajudar a conter o aquecimento global.
Crédito: Alexandre Affonoso/Revista Pesquisa FAPESP.

Sistemas baseados em captura e armazenamento de carbono ainda são poucos no mundo. A Agência Internacional de Energia (IEA) relacionava 47 instalações CCUS em operação em 2022 com capacidade para remover da atmosfera 45 milhões de toneladas de dióxido de carbono (Mt CO₂) por ano, um volume ainda muito limitado ante as emissões de 37,4 bilhões de toneladas de CO₂ por ano apenas no setor de energia. Levando em conta apenas os projetos já anunciados, que somam quase 100, a IEA estima que a capacidade de captura e de destinação alcançará 1 bilhão de toneladas em 2030, mais do que a emissão anual da aviação civil, calculada pela agência em 800 Mt (info da Pesquisa FAPESP nº 337, republicada aqui).

Para 2050, a estimativa mundial da agência é de 6 bilhões de toneladas de CO₂. Esse volume representa quase três vezes o total de emissões brasileiras em 2022, que alcançou 2,18 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (CO₂e), segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), principal plataforma de monitoramento de emissões de gases de efeito estufa (GEE) na América Latina. Gás carbônico equivalente é uma medida internacional que estabelece a equivalência entre todos os GEE (metano, óxido nitroso, entre outros) e o dióxido de carbono.

A Petrobras tem se destacado nessa atividade, que pode trazer ganhos ao seu processo produtivo. Em 2023, a petrolífera capturou 17 Mt de CO₂, 27% do total sequestrado em todo o mundo. O carbono é removido do gás natural associado ao petróleo retirado dos poços do pré-sal. Ele é separado de outros gases presentes, como metano, etanol e propeno, por meio de membranas, uma das técnicas em uso (ver infográfico abaixo), e reinjetado novamente nos poços. Além de evitar a emissão de CO₂, esse processo, denominado recuperação avançada de petróleo, aumenta a produtividade da extração de óleo.

Gráfico mostrando as principais técnicas (absorção química, adsorção, destilação criogênica e membranas) para a remoção do carbono de correntes gasosas e da atmosfera para ilustrar o artigo: Remover carbono do ar pode ajudar a conter o aquecimento global.
Crédito: Alexandre Affonoso/Revista Pesquisa FAPESP.

“A reinjeção é uma solução para atender ao compromisso da companhia de não liberar na atmosfera o dióxido de carbono presente no gás natural e, assim, produzir petróleo com baixa emissão de carbono nos campos do pré-sal”, diz Mauricio Tolmasquim, diretor de transição energética e sustentabilidade da petroleira.

A Petrobras separa e armazena mais de 97% de todo o CO₂ originário do gás natural associado ao óleo extraído dos poços do pré-sal. Desde 2008, quando iniciou o procedimento, a companhia reinjetou mais de 53 Mt de CO₂ e planeja expandir a operação para mais sete plataformas de petróleo. A meta é alcançar 80 Mt reinjetados até 2025.

Em 2023, a empresa anunciou um projeto-piloto CCUS na unidade de processamento de gás natural de Cabiúnas, em Macaé, onde já funciona um sistema de remoção de CO₂ que utiliza outra tecnologia, a de absorção química. A Petrobras recorre a esse sistema para adequar para a venda o gás natural proveniente do pré-sal, que tem como característica um grande teor de CO₂.

Hoje, o dióxido de carbono sequestrado em Cabiúnas é liberado na atmosfera. Com o projeto-piloto, o gás será comprimido, transportado por um duto por cerca de 60 quilômetros (km) até o aquífero salino São Tomé, em Quissamã (RJ), onde será injetado e armazenado. Essa operação deverá entrar em operação em 2027 e, por ser um projeto-piloto, terá uma duração limitada a dois ou três anos, com injeção anual de 100 mil toneladas de CO₂.

“O projeto-piloto permitirá confirmar a capacidade de armazenamento de São Tomé, que tem potencial para ser um dos principais reservatórios de CO₂ da região Sudeste. Também nos possibilitará desenvolver e testar técnicas de monitoramento do armazenamento para garantir que não haverá escape do gás”, detalha Tolmasquim.

O sucesso dessa iniciativa, afirma o executivo, será determinante para a Petrobras seguir com um projeto de instalação do primeiro hub comercial CCUS do país. Se confirmado, a estrutura será constituída de dutos para o transporte do CO₂ ligando o reservatório salino em Quissamã a outras instalações de processamento de óleo e gás da Petrobras no estado do Rio de Janeiro, como a refinaria localizada em Duque de Caxias.

Setor sucroenergético e de hidrogênio

Além da indústria de petróleo e gás, avalia Meneghini, da USP, o setor sucroenergético e os fabricantes de hidrogênio reúnem boas condições técnicas para a instalação de sistemas de captura e destinação de CO₂.

Hoje, 80% do hidrogênio produzido no mundo usa como insumo o gás natural. É o chamado hidrogênio cinza (ver Pesquisa FAPESP nº 333), cuja fabricação lança poluentes no ar. Cada quilo (kg) de hidrogênio cinza produzido emite 10 kg de CO₂. “A captura e o armazenamento de parte do CO₂ resultante do processo permitem reduzir as emissões para menos de 4 kg de CO₂ por quilo de hidrogênio gerado. É o que se classifica como hidrogênio azul”, detalha Meneghini.

No setor sucroenergético, o maior potencial está no processo de fermentação de cana-de-açúcar ou milho para a produção de etanol, que resulta da emissão na atmosfera de CO₂ com alto grau de pureza. Isso quer dizer que mais de 90% do gás liberado durante o processo fermentativo da cana e do milho é composto por dióxido de carbono. Dessa forma, é mais fácil fazer sua separação de outros gases e comprimi-lo.

Nos Estados Unidos, a prática é comum entre produtores de etanol de milho, e no Brasil, a FS, fabricante de etanol de milho, já anunciou a intenção de construir uma planta-piloto de captura e armazenamento de CO₂ em sua usina em Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso.

Uma pesquisa realizada pela engenheira mecânica Sara Alexandra Restrepo Valencia, durante o doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), avaliou a viabilidade técnica e econômica dos processos de captura e armazenamento em instalações de bioenergia. O trabalho venceu o Prêmio Capes de Teses de 2023 na categoria interdisciplinar. Segundo Valencia, uma usina que processa 4 Mt de cana-de-açúcar por ano emite 0,5 Mt de CO₂ durante o processo de fermentação. Caso o estabelecimento aproveite os resíduos para gerar bioeletricidade, é emitido mais 1 Mt de CO₂ por ano.

O custo médio para a captura do carbono com elevada pureza gerado na fermentação e seu armazenamento a uma distância de até 100 km da usina, de acordo com a pesquisadora, é de US$ 30 por tonelada de CO₂.

Já o CO₂ emitido na geração de bioeletricidade pelo método convencional de turbinas a vapor é impuro e demanda o uso de tecnologias de separação do CO₂ de outros gases, antes da compressão, transporte e estocagem – a separação é necessária para que a reação química de solidificação do dióxido de carbono nas reentrâncias de rochas porosas ocorra adequadamente, reduzindo o risco de escape do gás armazenado no subsolo. Isso faz com que o custo médio do processo duplique. “As operações de captura e armazenamento apresentam um valor elevado e os usineiros não se sentem estimulados a assumir esse custo”, afirma Valencia.

Para o engenheiro mecânico Arnaldo Cesar Walter, orientador de Valencia no doutorado, a comercialização de créditos de carbono poderá ser um estímulo importante para a implementação de sistemas de captura e destinação de carbono no Brasil. O país, porém, ainda não conta com um mercado regulado de crédito de carbono.

Para as usinas de biocombustíveis, uma fonte de receita é o programa federal RenovaBio, instituído em 2017, que gera um crédito de descarbonização (CBIO) para cada tonelada de CO₂ evitada. O valor de mercado do CBIO era de cerca de R$ 100 no final de março. Para Meneghini, a viabilidade econômica dos sistemas de captura e destinação de carbono vai depender também de apoio governamental e regulamentação da atividade.

O potencial de aproveitamento de CO₂ como matéria-prima para outros produtos comercializáveis ainda é pequeno. Entre os usos possíveis está a produção de fertilizantes à base de ureia e produtos químicos, como ácidos orgânicos e metanol. Pesquisadores do RCGI desenvolveram e patentearam um processo de geração de metanol verde que vai entrar em operação experimental em 2025.

De acordo com o engenheiro químico Pedro Miguel Vidinha, do IQ-USP, que participa do projeto, o processo poderá utilizar o CO₂ capturado na fabricação do etanol para produzir metanol. As moléculas de CO₂ são misturadas com as de hidrogênio verde, obtido a partir de fontes de energia renováveis, em um reator químico. A reação utiliza como insumo um catalisador patenteado pelo grupo capaz de converter o CO₂ em metanol. A pesquisa sobre o catalisador gerou um artigo no Journal of CO₂ Utilization, em setembro de 2020.

A planta-piloto será instalada no IQ-USP e terá capacidade para produzir 1 tonelada de metanol por semana. O estudo da viabilidade econômica do processo será realizado ao longo deste ano. “O potencial é muito grande, uma vez que o metanol verde é considerado uma alternativa para a descarbonização da indústria naval”, diz Vidinha.

A transportadora marítima dinamarquesa Maersk já encomendou de diversos estaleiros estrangeiros 18 navios movidos a metanol. O primeiro deles entrou em operação em fevereiro. A empresa estima que reduzirá em mais de 80% as emissões de carbono com as novas embarcações.

Crédito: Alexandre Affonoso/Revista Pesquisa FAPESP.

A reportagem acima foi publicada com o título “Menos carbono na atmosfera” na edição impressa nº 340, de junho de 2024.

Projetos

1. Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) (nº 20/15230-5), Modalidade Centros de Pesquisa em Engenharia (CPE); Pesquisador responsável Julio Romano Meneghini (USP); Investimento R$ 19.516.850,65.

2. Estudo das características geoquímicas e hidromecânicas de reservatórios geológicos de CO₂ a partir de monitoramento geofísico dos processos de interação de fluidos ricos em CO₂ com rochas – EHMPRES (nº 22/02416-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Colombo Celso Gaeta Tassinari (USP); Investimento R$ 164.754,94.

Artigo científico

MALUF, N. E. C. et al. Zeolitic-imidazolate framework derived intermetallic nickel zinc carbide material as a selective catalyst for CO₂ to CO reduction at high pressure. European Journal of Inorganic Chemistry. 29 ago. 2021.

Tese de doutorado

VALENCIA, S. A. R. Avaliação da viabilidade técnico-econômica de sistemas Beccs na geração de eletricidade com uso de biomassa residual da cana. Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 2022.

Artigo original publicado por Domingos Zaparolli na Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.

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