A indústria de alimentos pode viabilizar dietas mais sustentáveis?
Como doutoranda e profissional na área da sustentabilidade, trabalhando em parceria com um dos maiores varejistas de alimentos do Reino Unido, tenho fascínio por uma pergunta em particular: como permitir que os consumidores comprem e comam [de forma saudável]? Tomamos mais de 200 decisões alimentares por dia, a maioria inconsciente. Consequentemente, há uma infinidade de oportunidades para intervir e ajudar as pessoas fazerem melhores escolhas.
Usar o marketing para normalizar dietas sustentáveis, estimular e apoiar os consumidores em escolhas que sejam melhores para eles e para o planeta é uma alavanca importante para a mudança. Minha pesquisa envolveu a exploração dos efeitos das campanhas de marketing de varejo de alimentos no Reino Unido, e as descobertas de duas campanhas, cada uma com abordagens diferentes para influenciar as dietas dos consumidores, podem esclarecer como esses investimentos de marketing se desenrolam.
A natureza está em queda livre e nosso sistema alimentar atual é um dos principais impulsionadores. A transição para um sistema alimentar mais sustentável requer melhorias na produção de alimentos e na forma como os consumimos, assim como na perda, desperdício e no consumo. Logo, é vital que haja uma mudança para dietas mais sustentáveis, sobretudo nos países onde a renda é alta. E como a indústria de alimentos pode viabilizar dietas mais sustentáveis?
Uma coisa que as empresas de alimentos podem fazer para impulsionar uma transição para dietas mais sustentáveis é começar a oferecer um reequilíbrio do que os consumidores colocam em suas cestas e pratos – incluindo aumentar a participação de alimentos à base de plantas leguminosas, como grão de bico e lentilha, bem como vegetais, grãos integrais e legumes [como brócolis e couve-flor].
Encontrando melhores escolhas na loja
Um grande varejista do Reino Unido realizou em todas as suas lojas uma campanha nacional chamada “Veganuary”, a qual teve como objetivo tornar os produtos à base de plantas mais disponíveis, acessíveis e visíveis. Os produtos foram posicionados em locais privilegiados na loja, na altura dos olhos [dos consumidores] e nas extremidades dos corredores, além de terem promoções de preços e incentivos de cartão de fidelidade.
Materiais coloridos em pontos de venda destacaram os benefícios de comer mais alimentos à base de plantas. Para facilitar a compreensão dos consumidores sobre como usá-los, cartões de receita foram exibidos nas prateleiras ao lado dos produtos promovidos, os quais incluíam alternativas para carne e laticínios, mas também leguminosas enlatadas, massas integrais e arroz.
Minha função foi a de fazer uma avaliação independente do desempenho da campanha, a qual mostrou que as vendas dos produtos promovidos aumentaram 58% durante o período da campanha e permaneceram 15% acima da linha de base por três meses após o término da mesma.
Embora a campanha tenha registrado um aumento nas vendas baseadas em vegetais, nenhuma mudança significativa nas vendas de carne foi observada, indicando que são necessárias abordagens que visem mais diretamente os produtos à base de carne (como reduzir o tamanho das embalagens e o espaço nas prateleiras) para permitir dietas mais saudáveis e sustentáveis, em vez de simplesmente encorajar os consumidores a comprar mais.
Engajando os consumidores em dietas sustentáveis
Uma abordagem diferente foi adotada pelo segundo varejista com quem trabalhei, a Marks & Spencer. Em parceria com a organização ambiental Hubbub, eles projetaram uma campanha digital usando um modelo de mudança de comportamento testado e comprovado.
A campanha visava três comportamentos alimentares sustentáveis: consumo de proteínas; desperdício de comida; e cozinhar do zero – cozinhar do zero tem sido associado com o uso de ingredientes frescos e mais saudáveis. O objetivo era abordar as barreiras à mudança, melhorar conhecimento e atitudes, além de criar mudanças comportamentais duradouras nessas três áreas.
A campanha envolveu 100 famílias, incluindo casais jovens, famílias com filhos e aposentados. O que todos eles tinham em comum era o desejo de ser mais sustentável e criar uma abertura para comer de forma diferente com foco na saúde, família ou no planeta.
A Marks & Spencer e a Hubbub forneceram aos participantes uma variedade de ferramentas, incluindo receitas, dicas e truques, cozinha ao vivo e conteúdo educacional e planejamento de refeições. Os participantes também receberam os produtos que precisavam para participar da cozinha ao vivo, removendo o elemento de risco – frequentemente citado – como uma barreira para experimentar novos alimentos. Eles tinham acesso a um grupo privado no Facebook onde compartilhavam receitas, fotos de suas refeições e faziam perguntas uns aos outros. Isso foi fundamental para criar uma comunidade e fornecer apoio ao grupo.
Após a campanha, as famílias relataram que diminuíram o consumo de carne (de 5-6 para 3-4 vezes por semana) e aumentaram o de proteínas vegetais e vegetais (o número de famílias comendo cinco porções de vegetais por dia aumentou de 40% para 68%), desperdiçaram menos comida (os domicílios que relataram “nunca desperdiçar comida” aumentaram de 9% para 49%) e cozinharam mais do zero (73% dos domicílios estavam preparando suas próprias refeições).
O conhecimento sobre dieta sustentável, a intenção de considerar alternativas de carne à base de plantas e a confiança na culinária também aumentaram. Esses efeitos duraram três meses após o final da campanha, com o consumo de carne caindo para apenas uma a duas vezes por semana durante esse período, demonstrando a importância de apoiar os consumidores em suas jornadas de mudança de dieta para criar mudanças de longo prazo.
Olhando para o futuro
Embora essas constatações sejam, de certa forma, exclusivas do Reino Unido – por exemplo, a necessidade de se concentrar no treinamento de habilidades culinárias pode ser menos importante em outros mercados —, as duas campanhas ofereceram algumas percepções importantes para a indústria de alimentos, onde quer que elas estejam localizadas.
Em primeiro lugar, tornar os produtos mais acessíveis, visíveis e fáceis de encontrar pelos consumidores pode resultar em vendas mais altas. No entanto, para permitir dietas mais sustentáveis para os consumidores, esse aumento na alimentação à base de plantas precisa ser atendido mediante uma redução no consumo da carne e dos laticínios.
Para isso acontecer, estratégias e campanhas de marketing precisam ser desenhadas com o objetivo de reequilibrar cestas e pratos e aumentar a participação de vegetais na cesta ou no cardápio das pessoas, em vez de apenas aumentar as vendas por unidade.
Em segundo lugar, envolver-se mais profundamente com os consumidores para entender suas motivações e barreiras à mudança deve ser um aspecto fundamental do design da campanha. Usar essas informações para projetar campanhas de engajamento direcionadas que aumentem as habilidades, atendam às lacunas de conhecimento e melhorem a confiança pode gerar mudanças de comportamento de longo prazo e melhorar a percepção da marca.
Por outro lado, os consumidores precisam estar abertos a mudanças para que uma campanha de engajamento como essa funcione. Uma abordagem de design subconsciente pode funcionar melhor com clientes mais resistentes.
Quando comecei a trabalhar com empresas de alimentos, dietas sustentáveis eram um tópico difícil de ganhar força. Mas isso está mudando. Nos últimos dois anos no Reino Unido, tanto a Tesco quanto a Sainsbury’s começaram a conversar com os consumidores sobre os benefícios proporcionados pelo aumento do consumo de vegetais e proteínas vegetais.
Em última análise, os esforços para mudar o comportamento do consumidor precisarão ser acompanhados por mudanças mais estratégicas e fundamentais. As empresas de alimentos precisam mudar ativamente seus portfólios de produtos e cardápios para se concentrar em plantas de origem sustentável e “diminuir e melhorar” o consumo de carne.
Os formuladores de políticas precisam adaptar a legislação e a regulamentação para criar um ambiente propício para empresas, agricultores e consumidores. Mas todos nós temos um papel na criação de uma cultura alimentar positiva que seja centrada em alimentos nutritivos, sustentáveis e deliciosos. É por isso que um bom lugar para começar é pelo incentivo ao consumidor comer de forma mais saudável para melhorar não somente a sua saúde mas também a do planeta.
Artigo original (em inglês) publicado por Joanna Trewern na GreenBiz.
Sobre a autora
Joanna Trewern é Gerente de Dietas Sustentáveis da WWF-UK e doutoranda na Universidade de Surrey, no Reino Unido. Ela lidera o trabalho de dietas sustentáveis como parte da parceria transformadora entre a WWF e a Tesco, que visa disponibilizar alimentos acessíveis, saudáveis e sustentáveis para todos.