Atividades humanas aceleram as mudanças climáticas

Fumaça sendo expelida por várias chaminés de uma fábrica, sugerindo emissões de gases de efeito estufa
Foto: cortesia Chris LeBoutillier | Pixabay

Em relatório preliminar do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês), publicado em agosto de 2021 e intitulado Summary for Policymakers (SPM), o IPCC afirma categoricamente que as atividades humanas aceleram as mudanças climáticas.

Esses Relatórios de Avaliação (ou Assessment Report – AR) produzidos pelo IPCC são todos elaborados com base na ciência, por uma equipe de cientistas e especialistas de várias partes do mundo.

Para a produção do AR6, cuja versão final está prevista para publicação em 2022, o IPCC contou com a participação de um vasto número de colaboradores, os quais foram divididos em três grupos de trabalho (ou Working Groups – WG), responsáveis por analisar três temas distintos.

O WG l teve a participação de 234 especialistas no tema The Physical Science Basis. Já o WG ll contou com 270 autores para o tema Impacts, Adaptation & Vulnerability, enquanto que o WG lll foi composto por 239 cientistas para o tema Mitigation of Climate Change.

Os temas são discutidos exaustivamente por cada grupo até que se encontre um consenso, cujo texto final tem o respaldo de trabalhos e artigos científicos. No caso do relatório preliminar elaborado pelo WG l, por exemplo, foram 14 mil citações. É uma quantidade considerável e ao mesmo tempo importante para corroborar com os dados levantados e as conclusões emitidas pelos autores.

As principais conclusões do WG l sobre as mudanças climáticas são taxativas. O relatório diz ser incontestável que desde os anos de 1750 as atividades humanas estão causando mudanças rápidas e generalizadas no oceano, na superfície terrestre e na atmosfera de nosso planeta. O aumento das concentrações de gases de efeito estufa (GEE) já alcançaram os limites1 de:

• 410 PPM (Partes Por Milhão) para o dióxido de carbono (CO2)

• 1866 PPB (Partes Por Bilhão) para o metano (CH4)

• 332 PPB para o óxido nitroso (N2O)

O WG l também conclui de forma incisiva que é muito provável que desde a década de 1990 a influência humana tenha sido o principal motor para o recuo das geleiras e para a diminuição da área de gelo do mar ártico.

Da mesma forma, diz o relatório, desde 1850 cada uma das últimas quatro décadas tem sido sucessivamente mais quente do que qualquer outra que a precedeu. Logo, é muito provável que as atividades humanas tenham contribuído para o derretimento da superfície do manto de gelo que cobre a Groenlândia, conforme tem sido notado nas duas últimas décadas1.

Na Islândia, o aumento da temperatura tem causado a diminuição no tamanho de lagos e a retração de geleiras em dezenas de metros a cada ano, uma vez que a quantidade de gelo que derrete nos verões mais quentes é muito maior do que a quantidade que se acumula durante os invernos2.

Em 2019, cientistas de várias partes do mundo se juntaram na Islândia para a colocação de uma placa no local onde antes havia uma geleira chamada Okjökull, que derreteu por conta do aquecimento global.

A placa servirá como uma homenagem simbólica e duradoura da primeira geleira que deixou de existir no país, por conta das mudanças climáticas – conforme relatado por Cymene Howe e Dominic Boyer, antropólogos da Rice University, presentes à cerimônia.

Placa marrom com bordas douradas, feita de metal e colocada numa rocha na Islândia, onde antes havia uma geleira, chamada Okjökull, que derreteu por conta das mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global.
Placa simbólica do desaparecimento da geleira Okjökull (Islândia) que derreteu por conta do aquecimento global. Numa tradução livre, a placa diz que a Okjökull é a primeira geleira do país a perder tal status e que nos próximos 200 anos todas as geleiras do país deverão ter o mesmo destino. Diz ainda que este monumento é um reconhecimento de que sabemos o que está acontecendo e o que precisa ser feito – e que somente você sabe se nós o fizemos.
Foto por Amy McCaig, postada no Flickr da Rice University Public Affairs

Há evidências na literatura científica de que as atividades humanas – como o consumo de combustíveis fósseis no transporte e na geração de energia – estão contribuindo de forma considerável para o aquecimento global que solapa o nosso planeta.

A concentração atual de CO2 de origem antropogênica (ação humana) está 50% mais alta na atmosfera do que no período anterior à Revolução Industrial3 – em maio de 2021 ela atingiu a marca de 420PPM4.

De 1970 a 2010, por exemplo, a queima de combustíveis fósseis nos transportes e em atividades industriais contribuiu com 78% para o aumento total dos GEE5.

O gráfico abaixo é uma adaptação do que faz parte do relatório preliminar do IPCC e serve para ilustrar dois cenários de aumentos contínuos da temperatura média global por um período de dez anos e de 50 anos.

Este gráfico também representa mudanças projetadas em níveis de aquecimento global de 1°C, 1,5°C, 2°C e 4°C para o período base de 1850-1900 e leva em consideração um clima sem a influência humana. As frequências e aumentos de intensidade de eventos extremos de 10 ou 50 anos são retratados a partir do período base sob diferentes níveis de aquecimento global1.

Segundo o relatório, os extremos de temperatura quente são definidos como as temperaturas máximas diárias sobre a terra que foram excedidas em média uma vez em uma década (evento de 10 anos) ou uma vez em 50 anos (evento de 50 anos) durante o período base de 1850-1900.

Gráfico comparando dois cenários de extremos de temperaturas quentes causados pelas mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global.
Projeção de mudanças em intensidade e frequência nos extremos de temperatura quente sobre a superfície terrestre. Adaptado de IPCC1

Cenários com os do gráfico acima, juntamente com outros, serviram de base para que o IPCC chegasse a conclusões muito sérias sobre o que é preciso fazer para que o aumento da temperatura média global seja limitado a 1,5°C até 2030, conforme anunciado no Acordo de Paris, em 2015.

De forma direta e contundente, o IPCC diz que se quisermos evitar eventos climáticos extremos mais graves do que os que já acontecem atualmente, precisamos diminuir de forma drástica e imediata as emissões de GEE1, sobretudo o CO2 que é expelido de veículos movidos a gasolina e óleo diesel.

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima é um tratado internacional que foi concebido durante a Cúpula da Terra, realizada em 1992 no Rio de Janeiro.

Sua concepção foi fruto do consenso geral entre os participantes – com base no Primeiro Relatório de Avaliação (AR1) publicado em 1990 pelo IPCC – de que a poluição causada por atividades humanas estava provocando um aumento nos níveis de CO2 atmosférico com alta probabilidade de resultar em mudanças climáticas6.

Três anos após a Cúpula da Terra, a Organização das Nações Unidas passou a realizar conferências formais todos os anos (chamadas de Conferência das Partes, ou COP em inglês), com o objetivo principal de avaliar os progressos no combate às emissões de GEE.

Imagem retangular de fundo na cor violeta cujo lado esquerdo há uma imagem estilizada do globo terrestre, acima dele está escrito COP26, em letras grandes, brancas e verdes, e no lado direito está escrito em caixa alta e cor verde claro: CONFERÊNCIA DE ONU SOBRE MUDANÇA CLIMÁTICA" e também em caixa alta e cor branca: UK2021 (UK para United Kingdom, ou Reino Unido).
Conferência da ONU, em Glasgow, Escócia

A COP26, realizada em Glasgow, de 31/10 a 12/11/2021, teve a participação de 197 países, cujos representantes chegaram às mais variadas conclusões, algumas delas negativas para os países em desenvolvimento.

Uma delas foi a rejeição por parte dos países desenvolvidos da criação de um novo fundo de “perdas e danos” que ajudaria os países mais pobres na reconstrução de casas após a destruição decorrente de um furacão ou de uma inundação severa.

A proposta era fazer com que as nações ricas e desenvolvidas se tornassem financeiramente responsáveis por seu papel historicamente maior na crise climática, cujos impactos são mais graves para as nações mais pobres e mais vulneráveis7.

Há dez anos as nações ricas concordaram em transferir US$ 100 bilhões anualmente – a começar em 2020 – para que os países em desenvolvimento pudessem se adaptar às mudanças climáticas mediante a transformação de suas economias em uma de baixo carbono8.

Infelizmente a transferência ainda não aconteceu, o que gerou uma reação de incredulidade em alguns dos presentes à COP26.

“É imperdoável que os países desenvolvidos fracassaram em cumprir seus compromissos de entregar US$ 100 bilhões anualmente a partir de 2020, mesmo fornecendo centenas de bilhões de dólares em subsídios para os combustíveis fósseis” (tradução livre).

Ani Dasgupta, CEO da World Resource Institute

De qualquer forma, embora o pagamento da quantia ainda não tenha acontecido, um relatório do Presidente da COP26 diz que existe a expectativa de que até 2023 a meta seja cumprida8. Vamos aguardar.

Em contrapartida à notícia negativa de que o fundo ainda não foi liberado, há vozes na mídia concordando que a COP26 foi um sucesso sob a ótica de cinco pontos cruciais9:

1. Temperatura: O Acordo de Paris sobre mudanças climáticas estabeleceu uma meta limite para o aquecimento global de 1,5°C a 2°C. Manter a meta mais baixa no documento final é uma conquista do acordo, o qual reconhece que as mudanças climáticas produzirão impactos muito menores se o aumento da temperatura for de 1,5 em vez de 2 °C;

2. Florestas: A promessa feita por 137 países para deter e reverter a perda florestal e a degradação da terra até 2030 foi um dos pontos positivos da COP26. Se implementada, a promessa de conter o desmatamento será vista como uma conquista significativa da conferência e poderá ajudar a reduzir consideravelmente as emissões de GEE;

3. Metano: Por ser um dos principais gases de efeito estufa, mais de 100 países representando 70% da economia mundial prometeram reduzir até 2030 as emissões globais de metano em pelo menos 30%;

4. CO2: Trinta países presentes em Glasgow concordaram que os veículos com zero emissão de carbono passem a ser o novo normal, tornando-os sustentáveis e economicamente acessíveis em todas as regiões até 2030. Nesse sentido, o Canadá e o Reino Unido, entre outros países, prometeram parar de vender veículos movidos a gasolina e óleo diesel até o ano de 2040 – posição que teve o respaldo da Ford, da GM e de outras montadoras;

5. Carvão: Mais de 40 países concordaram em [reduzir] o uso de carvão em suas matrizes energéticas – reconhecimento explícito do mal que os combustíveis fósseis causam ao planeta.

Ao exigir a redução do carvão e a eliminação de subsídios dos combustíveis fósseis, além de mencionar seu papel nas mudanças climáticas, o Acordo de Glasgow se posiciona de uma forma que nenhum outro acordo havia feito antes, nem mesmo o Acordo de Paris8.

Estudos mais recentes mostram que na década corrente precisamos reduzir quase que pela metade as emissões de GEE para termos qualquer chance de manter o limite de aquecimento global em 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais7 e fazer com que a população de nosso planeta tenha um curso contrário ao do abismo para o qual ela atualmente está seguindo.

Quando perguntada por um repórter sobre o debate “descontinuar vs. reduzir” em torno do carvão, cuja origem está nas palavras do representante da Índia, ao sugerir que seu país não podia assinar o acordo se o termo “descontinuar” não fosse substituído por “reduzir”, a diretora executiva do Greenpeace International, Jennifer Morgan, disse que o sinal mais importante passado por Glasgow era de que o “carbono está saindo de cena“.

Neste sentido, o apelo final feito a todos os países presentes à COP26 para que eles atendam a COP27 (em 2022, no Egito) com planos atualizados para reduzir as emissões de GEE talvez tenha sido uma das mudanças mais importantes do encontro em Glasgow, visto que pelo Acordo de Paris, somente em 2025 – três anos mais tarde – eles seriam obrigados a fazê-lo7.

Referências

[1] IPCC. Summary for Policymakers. In: Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Masson-Delmotte et al. (eds.)]. Cambridge University Press, 2021.

[2] Kottasová, I. Icelanders can’t remember a hotter summer. It’s nice, and worrying. CNN (internet). 2019. Disponível em: https://edition.cnn.com/2019/08/27/europe/iceland-climate-change-summer-intl/index.html

[3] Woo, J. et al. Applying blockchain technology for building energy performance measurement… Building and Environment 205 (2021) 108199.

[4] NOAA. National Oceanic and Atmospheric Administration. NOAA Research News. Carbon dioxide peaks near 420 parts per million at Mauna Loa observatory. June 7, 2021.

[5] Tarufelli et al. The Potential Impact of the U.S. Carbon Capture and Storage Tax Credit Expansion… Energy Policy 149 (2021) 112064.

[6] Hannah, L. International Climate Policy. In: Hannah, L. Climate Change Biology, 3 ed. London: Academic Press, 2022. p. 425–438. Chapter 20. ISBN 9780081029756.

[7] Kottasová, I.; Dewan, A. Was COP26 successful? Here’s how climate summits make a difference. CNN (internet). 2021. Disponível em: https://edition.cnn.com/2021/11/14/world/does-cop26-matter-for-climate-intl/index.html

[8] Dewan, A.; Cassidy, A. COP26 ended with the Glasgow Climate Pact. Here’s where it succeeded and failed. CNN (internet). 2021. Disponível em: https://edition.cnn.com/2021/11/14/world/cop26-glasgow-climate-pact-intl-cmd/index.html

[9] Roche, D. 5 Reasons COP26 Was a Success. Newsweek (internet). 2021.   Disponível em: https://www.newsweek.com/5-reasons-cop26-success-climate-change-joe-biden-1648605

Sobre o autor | Fernando Oliveira

Foto Fernando


Fernando é o fundador e editor da Sustenare. Ele é administrador de empresas, cientista da computação e doutor em energia pela Universidade de São Paulo (USP). Fernando morou nos Estados Unidos por dez anos, país onde cursou universidade e trabalhou por igual período para empresas de tecnologia e do ramo editorial.

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