Primeiro supercomputador capaz de simular redes de neurônios
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Um supercomputador programado para entrar em operação em abril de 2024 vai se equiparar com a taxa estimada de operações realizadas pelo cérebro humano, de acordo com pesquisadores de uma universidade na Austrália. A máquina, chamada DeepSouth, é capaz de realizar 228 trilhões de operações por segundo. No mundo, este será o primeiro supercomputador capaz de simular redes de neurônios e sinapses (estruturas biológicas fundamentais que compõem nosso sistema nervoso) na escala do cérebro humano.
O DeepSouth pertence a uma abordagem conhecida como computação neuromórfica, que visa imitar os processos biológicos do cérebro humano e será executado a partir do Centro Internacional de Sistemas Neuromórficos da Western Sydney University.
Nosso cérebro é a máquina de computação mais incrível que conhecemos. Ao distribuir seu poder computacional para bilhões de pequenas unidades (neurônios) que interagem por meio de trilhões de conexões (sinapses), o cérebro pode rivalizar com os supercomputadores mais poderosos do mundo, exigindo apenas a mesma energia usada por uma lâmpada de geladeira.
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Por sua vez, os supercomputadores geralmente ocupam muito espaço e demandam uma quantidade enorme de energia elétrica para funcionar. O supercomputador mais poderoso do mundo, o Hewlett Packard Enterprise Frontier, pode realizar pouco mais de um quintilhão de operações por segundo. Ele cobre 680 metros quadrados e requer 22,7 megawatts (MW) para funcionar.
Nossos cérebros pesam entre 1,3 kg e 1,4 kg e podem realizar o mesmo número de operações por segundo com apenas 20 watts de potência. Entre outras coisas, a computação neuromórfica visa desvendar os segredos dessa incrível eficiência.
Os transistores estão nos limites
Em 30 de junho de 1945, o matemático e físico John von Neumann descreveu o projeto de uma nova máquina, o Edvac. Isso efetivamente definiu o computador eletrônico moderno como hoje o conhecemos.
Meu smartphone e o laptop que estou usando para escrever este artigo, juntos com o supercomputador mais poderoso do mundo, todos compartilham a mesma estrutura fundamental introduzida por Neumann há quase 80 anos. Todos eles têm unidades distintas de processamento e memória, onde os dados e instruções são armazenados e computados por um processador.
Durante décadas, o número de transistores em um microchip dobrou aproximadamente a cada dois anos – uma observação conhecida como Lei de Moore. Isso nos permitiu ter computadores menores e mais baratos.
No entanto, os tamanhos dos transistores atuais estão se aproximando da escala atômica. Nesses tamanhos minúsculos, a geração excessiva de calor se torna um problema, da mesma forma que um fenômeno chamado tunelamento quântico, o qual interfere no funcionamento dos transistores, desacelera a miniaturização dos mesmos e resultará em sua interrupção.
Para superar tais problemas, os cientistas estão explorando novas abordagens para a computação, começando pelo poderoso computador que todos nós temos escondido em nossas cabeças: o cérebro humano. Nossos cérebros não funcionam de acordo com o modelo do computador de John von Neumann. Eles não têm áreas de computação e memória separadas.
Em vez disso, eles funcionam conectando bilhões de células nervosas que comunicam informações na forma de impulsos elétricos. A informação pode ser passada de um neurônio para outro por meio de uma junção chamada sinapse. A organização de neurônios e sinapses no cérebro é flexível, escalável e eficiente.
Dessa forma, no cérebro – e ao contrário do computador – a memória e a computação são governadas pelos mesmos neurônios e sinapses. Desde o final da década de 1980, cientistas estudam esse modelo com a intenção de importá-lo para a computação.
Imitação da vida
Os computadores neuromórficos têm bases em redes intrincadas de processadores que são simples e elementares (que agem como neurônios e sinapses do cérebro). A principal vantagem disso é que essas máquinas são inerentemente ”paralelas“– o que significa que, como acontece com os neurônios e sinapses, praticamente todos os processadores de um computador podem estar operando simultaneamente e se comunicando em conjunto.
Além disso, como os cálculos realizados por neurônios e sinapses individuais são muito simples em comparação com os de computadores tradicionais, o consumo de energia é menor em magnitude. Embora os neurônios às vezes sejam considerados como unidades de processamento e as sinapses como unidades de memória, eles contribuem tanto para o processamento quanto para o armazenamento. Em outras palavras, os dados já estão localizados onde a computação exige que estejam.
Em geral, isso acelera a computação do cérebro porque não há separação entre memória e processador, o que nas máquinas clássicas (de Neumann) causa uma desaceleração. Mas também evita a necessidade de realizar uma tarefa específica de acessar os dados a partir de um componente principal de memória, como acontece em sistemas computacionais convencionais e consome uma quantidade considerável de energia.
Os princípios que acabamos de descrever são a principal inspiração para o DeepSouth. Este não é o único sistema neuromórfico atualmente ativo. Vale a pena mencionar o Human Brain Project (HBP), financiado no âmbito de uma iniciativa da União Europeia. O HBP funcionou de 2013 a 2023 e deu origem à máquina BrainScaleS, localizada em Heidelberg, na Alemanha, que emula a forma como os neurônios e as sinapses funcionam.
O BrainScaleS pode simular a maneira como os neurônios “disparam” – a maneira como um impulso elétrico viaja ao longo de um neurônio em nossos cérebros. Isso tornaria a máquina BrainScaleS uma candidata ideal para investigar a mecânica dos processos cognitivos e, no futuro, os mecanismos subjacentes às doenças neurológicas e neurodegenerativas graves.
Por serem projetados para imitar cérebros reais, os computadores neuromórficos podem ser o início de um ponto de virada. Oferecendo força computacional sustentável e acessível e permitindo que os pesquisadores avaliem modelos de sistemas neurológicos, eles são a plataforma ideal para uma variedade de utilidades. Eles têm o potencial de avançar nossa compreensão do cérebro e oferecer novas abordagens para a inteligência artificial.
Artigo original (em inglês) publicado por Domenico Vicinanza na The Conversation UK.
Sobre o autor
Domenico Vicinanza é Ph.D. e Mestre em Física e já trabalhou em organizações como a NASA (EUA) e o CERN (Suíça). Sua pesquisa tem aparecido em vários periódicos científicos internacionais e suas entrevistas publicadas no Financial Times, The Guardian, The Times, BBC, CNN, Discovery Channel, entre outros. Ele é professor associado de Sistemas Inteligentes e Ciência dos Dados na Anglia Ruskin University.
Declaração de Transparência:
Domenico Vicinanza não trabalha, não faz consultoria, nem possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e também não revelou nenhum vínculo relevante além do cargo acadêmico que ocupa.
A Anglia Ruskin University (ARU) fornece financiamento como membro do The Conversation UK.