Nosso cérebro tira sonecas enquanto estamos acordados

Imagem do rosto de uma mulher com os olhos fechados e ao ar livre para ilustrar que o nosso cérebro tira sonecas enquanto estamos acordados.
Esta nova descoberta confunde a linha entre estar dormindo e acordado. Imagem: Grumpy Beere/Pixabay.

Cientistas descobriram pela primeira vez que uma pequena região de nosso cérebro tira sonecas de microssegundos enquanto estamos acordados. Além do mais, essas mesmas áreas “piscam” enquanto dormimos. Essas novas descobertas podem oferecer pistas fundamentais sobre doenças do neurodesenvolvimento e neurodegenerativas, que estão ligadas à desregulação do sono.

Pesquisadores da Universidade de Washington (WashU), em St. Louis, e da Universidade da Califórnia (UCSC), em Santa Cruz, fizeram essas descobertas por acidente, percebendo como as ondas cerebrais em uma pequena área do cérebro repentinamente desligam por apenas milissegundos quando estamos acordados e sacodem pelo mesmo período de tempo quando estamos dormindo.

“Com ferramentas poderosas e novos métodos computacionais, há muito a ganhar desafiando nossas suposições mais básicas e revisitando a questão sobre ‘o que é um estado [do sono e vigília]?'”, disse Keith Hengen, professor-assistente de biologia da WashU. “Dormir ou acordar é o maior determinante do seu comportamento, e então todo o resto cai a partir daí. Então, se não entendemos o que realmente é dormir e acordar, parece que perdemos o trem”.

Até agora, os estados de sono e vigília foram definidos por padrões gerais de ondas cerebrais – ondas alfa, beta e teta quando estamos acordados, delta quando não estamos – então essas anomalias de ‘cintilação’ desafiam o que entendemos até agora sobre esses estados distintos.

“Foi surpreendente para nós, como cientistas, descobrir que diferentes partes de nosso cérebro realmente tiram pequenas sonecas quando o resto do cérebro está acordado, embora muitas pessoas já possam ter suspeitado esse comportamento em seus cônjuges”, brincou David Haussler, professor de engenharia biomolecular da UCSC.

Em um estudo de quatro anos que reuniu uma enorme quantidade de dados de eletrofisiologia, os cientistas registraram a voltagem das ondas cerebrais em 10 regiões diferentes do cérebro de camundongos. Ao longo de vários meses, os pesquisadores rastrearam a atividade de pequenos grupos de neurônios até a grandeza do microssegundo. Petabytes de dados foram então analisados por uma rede neural artificial, para captar padrões e isolar microssegundos de anomalias que os estudos em humanos perderam.

“Estamos vendo informações em um nível de detalhes sem precedentes. A sensação anterior era de que nada seria encontrado lá, que todas as informações relevantes estavam nas ondas de frequência mais lenta. Este artigo diz que, se você ignorar as medições convencionais e apenas olhar para os detalhes da medição de alta frequência em apenas um milésimo de segundo, há o suficiente para dizer se o tecido está adormecido ou não. Isso nos diz que há algo acontecendo em uma escala muito rápida – essa é uma nova dica para o que pode estar acontecendo durante o sono”.

David Haussler, professor de engenharia biomolecular da UCSC.

Por meio do aprendizado de máquina, os cientistas analisaram trechos de milissegundos de dados de atividade cerebral e descobriram que a atividade rápida entre alguns neurônios em uma região parecia ir contra a corrente, mas ser fundamental para o sono, que normalmente é representado por ondas deltas lentas. E eles observaram a taxa oposta de atividade durante os períodos classicamente definidos como estar acordado – que a equipe chamou de ‘cintilações’.

“Retiramos todas as informações que a neurociência tem usado durante o último século para entender, definir e analisar o sono – e perguntamos: ‘O modelo ainda pode aprender nessas condições?'”, disse David Parks, pesquisador da UCSC. “Isso nos permitiu analisar sinais que não tínhamos entendido antes”.

Essencialmente, o que os dados estavam mostrando era que, mesmo quando estamos acordados, naquela pequena área do cérebro, alguns neurônios estão entrando no modo de sono, enquanto o resto do órgão continua a operar normalmente.

“Pudemos olhar para os pontos de tempo individuais em que esses neurônios dispararam, e ficou bem claro que [os neurônios] estavam em transição para um estado diferente”, disse Aidan Schneider, pesquisador da WashU. “Em alguns casos, essas cintilações podem ser restritas à área de apenas uma região individual do cérebro, talvez uma área até mesmo menor”.

Os pesquisadores então tentaram ver qual resposta física, se alguma, poderia ser observada durante esses micro-cochilos de frações de segundo. Eles ficaram surpresos ao ver que os camundongos pareciam ter “se distraído” e, durante o sono, os animais se contorciam nesses mesmos momentos de “cintilação”.

“Estamos vendo todas essas combinações possíveis de cintilações REM e não-REM quebrarem as regras que você esperaria com base em cem anos de literatura”, disse Hengen.

As descobertas podem oferecer novas percepções sobre as condições associadas ao sono desregulado, fornecendo um novo alvo para o tratamento de doenças neurodegenerativas e do neurodesenvolvimento.

“Isso nos dá potencialmente um bisturi muito, muito afiado para cortar essas questões de doenças e distúrbios”, disse Hengen. “Quanto mais entendemos fundamentalmente o que são o sono e a vigília, mais podemos abordar problemas clínicos pertinentes e relacionados a doenças”.

O estudo foi publicado na revista Nature Neuroscience.

Fonte: Universidade da Califórnia, em Santa Cruz.

Artigo original (em inglês) publicado por Bronwyn Thompson na New Atlas.


Sobre a autora
Bronwyn Thompson tem diplomas de jornalismo e zoologia e possui mais de 20 anos como escritora e editora. Ela tem interesse particular em neurociência, genética, comportamento animal e biologia evolutiva. Em fevereiro de 2023, Bronwyn encontrou um lar feliz na New Atlas.

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