Como as empresas de tecnologia falham com as mulheres
Desde o início errático de Elon Musk como o novo dono do Twitter à recente decisão da Meta (Facebook) de demitir mais de 11.000 funcionários e uma queda contínua nas ações de tecnologia, o setor de mídia social está mais uma vez em turbulência. Todavia, embora essas últimas ondas de choque tenham atraído muita atenção do público, falamos consideravelmente menos de suas repercussões nas mulheres. Siga lendo para entender como as empresas de tecnologia falham com as mulheres em ambos os lados da tela: funcionárias e usuárias de seus serviços. É por isso que movimentos recentes para regulamentar as empresas de mídia social devem incluir proteções específicas para as mulheres.
O abuso online, como tem sido repetidamente confirmado por pesquisas acadêmicas e grupos de direitos civis, geralmente tem como alvo as mulheres usuárias. Um dos primeiros atos de Musk depois de comprar o Twitter foi introduzir a verificação para reduzir o número de contas falsas. Essas contas são frequentemente citadas entre as principais causas de violência nas redes sociais. Mas o processo de autenticação (desde então retirado depois de protestos da comunidade no Twitter) simplesmente dependia de perfis “certificados” mediante o pagamento de uma taxa mensal.
Assim, a mudança parecia mais uma forma de aumentar receitas do que uma estratégia eficaz de segurança online. Para piorar as coisas, e mais ou menos simultaneamente, Musk de forma controversa também restaurou as contas de várias figuras importantes que haviam sido banidas anteriormente por discurso misógino, incluindo a conta de Andrew Tate – influenciador auto definido “sexista”.
Além da abordagem caótica do magnata à liderança, essas decisões indicam tendências mais amplas na indústria de mídia social com ramificações de longo alcance para as mulheres.
Nos últimos anos, de fato, plataformas como Twitter, Facebook, YouTube e TikTok responderam à crescente pressão pública adotando diretrizes mais rígidas contra o discurso de ódio baseado em gênero. Essas mudanças, no entanto, foram alcançadas principalmente por meio de autorregulação e parcerias voluntárias com o setor público. Tal abordagem deixa as empresas livres para reverter decisões anteriores da maneira que Musk fez.
Além disso, censurar personalidades individuais da Internet e promover a verificação de contas não aborda de fato as principais causas da violência nas redes sociais. O design real dessas plataformas e os modelos de negócios empregados por essas empresas desempenham um papel mais central.
As plataformas de mídia social querem nos manter online para produzir dados lucrativos e manter o público para seus anúncios. Elas fazem isso com algoritmos que criam uma câmara de eco. Ou seja, continuamos vendo conteúdo semelhante ao que atraiu nossos cliques em primeiro lugar. Mas a pesquisa mostra que isso também facilita a circulação de mensagens que exprimem divisões e apoia a disseminação do sexismo online, bem como empurra os usuários que visualizam materiais problemáticos para um “buraco negro” de atualizações correlatas.
Embora as próprias plataformas tenham se tornado problemáticas para as mulheres que as usam, muitas das empresas por trás delas também estão falhando com as colaboradoras que constroem e gerenciam redes de mídia social online.
Demissões em empresas de tecnologia
O tratamento que os colaboradores de empresas de mídia social recebem também deve ser examinado sob a ótica de gênero, principalmente porque estas empresas reagem a uma desaceleração de mercado que resulta em estratégias de redução de custos e provoca demissões em massa.
Uma categoria particularmente em risco (que examinei, entre outros, em meu livro recém-publicado) é a de moderadores de mídia social, encarregados da tarefa de limpar das plataformas os conteúdos que violam padrões da comunidade.
Quando os moderadores são do sexo feminino, elas ficam constantemente expostas a discursos misóginos de ódio, imagens de violência sexual e pornografia não consensual. Nesse caso, as funcionárias tendem a se sentir especialmente provocadas e, consequentemente, muitas desenvolvem problemas de saúde mental, incluindo depressão, ansiedade e síndrome de estresse pós-traumático.
As empresas de mídia social e seus subcontratados internacionais (para as quais grande parte das operações de moderação é terceirizada) fazem outras escolhas que também infringem os direitos dos colaboradores, principalmente os do sexo feminino.
Entre as medidas mais recentes está a instalação de câmeras (munidas de inteligência artificial) nas casas dos moderadores que trabalham remotamente. Esta é uma intrusão particularmente brutal para as mulheres, visto que muitas vezes elas enfrentam problemas de assédio ou de segurança em espaços públicos.
O abuso online e o tratamento de colaboradores dizem respeito a pessoas de todos os gêneros. As mulheres, no entanto, pagam um preço único pela violência nas redes sociais. Uma pesquisa recente da revista britânica The Economist mostra que o medo de novas agressões fez com que nove em cada dez vítimas do sexo feminino (do universo pesquisado) alterassem seus hábitos digitais; 7% até pediram demissão.
Soluções específicas para o ódio online
Assim como as mulheres que trabalham ou usam as redes sociais encontram problemas específicos resultantes das políticas de mídia social (ou a falta delas), as intervenções destinadas a melhorar sua segurança e bem-estar também devem ser específicas.
Meu livro analisa como capitalistas digitais – incluindo as corporações de mídia social – falham com suas usuárias e colaboradoras e como remediar tal situação. Entre as reformas que sugiro estão as intervenções para tornar as plataformas mais responsáveis.
A Lei de Segurança Online do Reino Unido foi criada para dar aos reguladores o poder de multar ou processar uma empresa que negligenciar a remoção de materiais nocivos, por exemplo.
É importante, porém, que a mudança de política nesta área identifique especificamente as mulheres como uma categoria protegida – o que este projeto de lei atualmente não consegue fazer.
Compromissos de transparência para algoritmos e regulamentos de plataformas em torno de modelos de negócios de mineração de dados também podem ajudar, mas até agora ainda não estão – ou não estão totalmente – integrados à maioria das legislações nacionais e internacionais.
E como os colaboradores precisam ser protegidos tanto quanto os usuários de tecnologia, é vital que eles possam se organizar por meio de sindicatos e que haja um esforço para garantir que os empregadores respeitem seu dever de cuidar de seus funcionários. Isso pode envolver a proibição de vigilância invasiva no local de trabalho, por exemplo.
Há uma solução para ambos os problemas: é hora de os gigantes da mídia social implantarem estratégias específicas que possam proteger as mulheres em ambos os lados da tela.
Artigo original (em inglês) publicado por Lilia Giugni na The Conversation.
Sobre a autora
Lilia Giugni é professora-assistente de Inovação Social e Estratégia na Universidade de Bristol e pesquisadora-associada da Universidade de Cambridge. Ativista e escritora feminista, sua pesquisa e trabalho estão na interseção entre gênero, justiça social e digital, bem como inovação social. Ela é a CEO e cofundadora da GenPol – Gender & Policy Insights.
Nota: Lilia Giugni é afiliada à Royal Society of Arts e ao GenPol, um think tank feminista com sede no Reino Unido.
A Universidade de Bristol fornece financiamento como membro do The Conversation UK.