Fezes humanas são um ótimo fertilizante para as plantações
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Você comeria batatas cultivadas com fezes humanas? E como você se sentiria se as flores do parque de seu bairro brotassem por conta de esterco humano [usado como fertilizante]? Em meio às mudanças climáticas, o estrume humano oferece benefícios ambientais significativos. Mas podemos superar o “fator eca” para abraçar essa solução sustentável?
A crise climática nos faz repensar tudo isso, incluindo como cultivamos nossos alimentos e mantemos nossos parques. Os fertilizantes tradicionais, tanto de origem animal quanto sintéticos, apresentam altos custos ambientais.
A poluição do nitrato oriunda do esterco animal pode ter várias consequências, desde o crescimento excessivo de algas até uma condição chamada síndrome do bebê azul. A fabricação de fertilizante sintético demanda tanta energia que sua produção é responsável por até 2% do consumo global de energia e em torno de 1,4% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2).
Esses fertilizantes também estão se tornando cada vez mais caros, o que significa que há ainda mais incentivo para encontrar alternativas.
E se houvesse uma maneira de transformar um de nossos maiores resíduos –as fezes humanas – em um fertilizante sustentável e de baixo impacto?
Não é tão estranho quanto parece. Durante séculos, sociedades em todo o mundo dependeram de dejetos humanos, muitas vezes chamados de “solo noturno”, para fertilizar suas plantações. Com o advento dos sistemas modernos de saneamento, essa ideia foi deixada para trás.
Mas agora, com a tecnologia que aborda as questões históricas de saúde pública e a urbanização que facilita a coleta de lixo, o fertilizante à base de excremento humano (HEBF, da sigla em inglês) pode estar de volta. A questão é: estamos prontos para abraçá-lo?
Para entender as atitudes do público em relação ao HEBF, minha equipe de pesquisadores de ciências sociais computacionais entrevistou pessoas na Inglaterra e no Japão – dois países com histórias totalmente diferentes em relação ao “solo noturno”. No Japão, o uso de dejetos humanos na agricultura era uma prática comum até relativamente pouco tempo atrás.
Na Inglaterra, no entanto, o “grande fedor” de 1858 e os surtos de cólera, fizeram com que as pessoas passassem a jogar os resíduos de seus vasos sanitários em esgotos subterrâneos. Consequentemente, essas duas nações desenvolveram visões muito diferentes sobre o assunto.
Nossa pesquisa revela alguns contrastes culturais fascinantes. Os japoneses, com sua história mais recente de uso de solo noturno, geralmente são mais abertos à ideia de HEBF, especialmente para a produção de alimentos. Os ingleses hesitam mais, principalmente quando se trata de comida.
No entanto, quando se trata de parques públicos, os ingleses são surpreendentemente mais receptivos ao esterco humano do que os japoneses. Talvez seja mais fácil aceitar a ideia do cultivo de flores com esterco humano do que o de batatas com nosso cocô.
Nosso estudo também revelou uma divisão significativa de gênero. Em ambos os países, os homens geralmente aceitaram mais o HEBF do que as mulheres. Isso pode ser por conta de uma série de fatores: preocupações com a saúde e uma maior aversão ao risco e a repulsa que as mulheres apresentam.
Parece que enquanto os homens estão mais dispostos a arriscar em produtos cultivados com fezes, as mulheres são mais céticas, principalmente quando se trata de implicações para a saúde.
O cocô é precioso
Então, por que isso importa? Enfrentar a crise climática requer muitas inovações sustentáveis – incluindo o uso mais eficaz de nossos próprios resíduos. O HEBF oferece uma alternativa de baixo impacto e eficiente em termos de recursos aos fertilizantes tradicionais, mas seu sucesso depende da aceitação pública.
Compreender as nuances culturais e de gênero nas atitudes em relação ao HEBF é crucial para moldar como essa tecnologia é apresentada e ampliada. É claro que uma abordagem única não funcionará. Em vez disso, precisamos considerar essas diferenças ao envolver o público de países diferentes.
Nossos resíduos são um recurso potencial. Aspectos de segurança – como o risco de propagação de bactérias resistentes a antimicrobianos, encontradas na matéria fecal – ficaram de fora do escopo deste projeto. Mas, à medida que enfrentamos desafios ambientais crescentes, é hora de reconsiderar como lidamos com os excrementos humanos.
Embora a ideia de comer alimentos cultivados em esterco humano possa parecer desagradável no início, vale a pena considerar. Ao entender e abordar as preocupações do público, os cientistas podem ajudar a pavimentar o caminho para práticas agrícolas mais sustentáveis e de baixo impacto, essenciais para o nosso futuro.
Artigo original (em inglês) publicado por Steven Pickering na The Conversation UK.
Sobre o autor
Steven David Pickering é Professor Assistente no Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Amsterdã e Professor Honorário na Universidade Brunel London. Anteriormente, trabalhou na Universidade de Kobe, no Japão, no Departamento de Governo da Universidade de Essex, e na Universidade de Lancaster.
Declaração de Transparência
Esta pesquisa é patrocinada pela Sociedade Japonesa para a Promoção da Ciência (JSPS, referência de concessão JP JSJRP 20211704) e pelo Conselho de Pesquisa Econômica e Social da área de Pesquisa e Inovação do Reino Unido (UKRI-ESRC, referência de concessão ES/W011913/1).