Moscas modificadas geneticamente podem reciclar lixo orgânico
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“Podemos alimentar moscas-soldado pretas com lixo puro e sujo”, diz uma equipe que está trabalhando para transformar insetos em máquinas de biofabricação de limpeza de aterros sanitários que transformam lixo regular, perigoso ou contaminado em uma variedade de produtos de alto valor.
As moscas-soldado pretas não são vetores de doenças nem pragas, e estão se mostrando cada vez mais úteis para os humanos no processamento de resíduos. Por muitos anos, sabe-se que suas larvas têm um enorme apetite por resíduos orgânicos, como restos de comida, e uma tendência a evacuar fertilizantes altamente nutritivos.
Uma vez que as fezes atingem um determinado volume, elas podem ser recolhidas, lavadas, secadas, moídas [e transformadas] em um pó fino que pode ser misturado com ração animal para servir como fonte de proteína e gordura.
É uma vida um pouco sombria, mas esse lixo orgânico normalmente seria comido por micróbios em um aterro sanitário de algum lugar, transformando-o em metano – um gás de efeito estufa muito mais potente do que o dióxido de carbono.
Agora, especialistas em biologia sintética da Universidade Macquarie, na Austrália, propõem que, com um pouco de engenharia genética, as moscas-soldado pretas poderiam ser usadas como biofábricas sustentáveis, não só para expandir sua dieta ao incluir “biossólidos municipais” de grau inferior oriundos de matadouros e de estações de tratamento de esgoto e rejeitos – mas para ajustar sua produção e também incluir uma variedade de substâncias de maior valor.
“Os insetos serão a próxima fronteira das aplicações da biologia sintética para lidar com alguns dos enormes desafios de gestão de resíduos que não conseguimos resolver por meio de micróbios”, diz o Dr. Maciej Maselko, autor sênior de um novo estudo. Podemos alimentar moscas-soldado pretas com lixo puro e sujo, em vez de esterilizado ou completamente pré-processado. Quando [os resíduos] são cortados em pedaços menores, as moscas-soldado pretas consomem volumes grandes desses resíduos de forma muito mais rápida do que os micróbios.
De acordo com os pesquisadores, a alteração genética das moscas pode resultar em uma variedade de produtos químicos de alto valor, incluindo enzimas industriais para as indústrias pecuária, têxtil, alimentícia e farmacêutica, ou lipídios especiais que podem transformar óleos combustíveis fósseis em biocombustíveis e lubrificantes. Elas também podem ser ajustadas para gerar “rações animais melhoradas” com proporções aprimoradas de nutrientes.
“Até mesmo as fezes da mosca podem ser aprimoradas para resultar em um fertilizante melhor”, diz a autora principal e bióloga sintética Dra. Kate Tepper. “As moscas podem ser projetadas para limpar contaminantes químicos com seus excrementos que, por sua vez, podem ser aplicados no cultivo como fertilizantes livres de poluentes para evitar que os contaminantes entrem em nossas cadeias de abastecimento alimentar”.
As opções ficam ainda mais interessantes quando aprendemos que as moscas podem ser projetadas para comer certos resíduos tóxicos e outros contaminantes químicos, como metais pesados e PFAS “conhecidos como forever chemicals“.
Os pesquisadores acreditam que as moscas podem ser alteradas também para processar certos contaminantes em excrementos inofensivos – ou para “hiper acumular” outros em seus corpos. Em qualquer uma dessas maneiras, o solo e os resíduos contaminados podem ser “biorremediados” pelo tratamento da mosca-soldado.
Portanto, parece que há um caminho aqui para a redução dos gases de efeito estufa e, ao mesmo tempo, quebrar vários fluxos de dejetos humanos e potencialmente descontaminar as coisas também – e possivelmente ainda gerar produtos úteis. E essa última parte é definitivamente fundamental.
“Se queremos uma economia circular sustentável, a economia disso tem que funcionar”, diz o Dr. Tepper. “Quando há um incentivo econômico para implantar tecnologias sustentáveis – como a reengenharia de insetos – que possam aumentar o valor dos resíduos, isso ajudaria impulsionar essa transição mais rapidamente”.
A equipe da Universidade Macquarie já criou uma empresa chamada Entozyme, por meio da qual comercializa suas tecnologias de biofabricação via reengenharia de insetos.
É certamente uma ideia fascinante, com todo o potencial para uma variedade de usos diferentes. Estamos ansiosos para aprender como as coisas funcionam e onde essa tecnologia se mostra mais valiosa.
A pesquisa tem acesso livre na revista Nature Communications Biology.
Fonte: Universidade Macquarie via Phys.org.
Artigo original (em inglês) publicado por Loz Blain na New Atlas.
Sobre o autor
Loz Blain passou oito anos perseguindo um diploma de artes na Universidade de Melbourne, Austrália. Sem foco e com deficiência de atenção, ele buscou mais de 30 áreas diferentes de estudo em humanidades e ciências, em uma série de caprichos, antes de se decidir por um curso de psicologia. Desde 2007, Loz é um dos colaboradores mais versáteis da New Atlas e desde então provou ser fotógrafo, cinegrafista, apresentador, produtor e engenheiro de podcast, além de redator sênior.