Perda da biodiversidade é um risco maior que o de emitir carbono

Imagem de caranguejos-ferradura numa praia com um pouco de mar e areia aparecendo ilustra o post cujo título diz que a perda da biodiversidade é um risco maior que o de emitir carbono.
Exemplo gritante do vínculo natureza-negócios vem da indústria farmacêutica, que depende de endotoxinas do sangue de caranguejos-ferradura para testar vacinas. Imagem: Gregory Breese/USFWS/GreenBiz/Reprodução.
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Metade do PIB mundial depende da natureza, mas apenas 5% das empresas têm metas para lidar com a perda da biodiversidade, que é um risco maior que o de emitir carbono.

A fabricante de chips de memória, Micron, vai interromper a construção de uma fábrica no norte do estado de Nova York por pelo menos seis meses porque os pântanos que a empresa planeja destruir no local abrigam duas espécies de morcegos ameaçados de extinção.

A Micron estava ciente do risco de morcegos quando iniciou as revisões ambientais para a fábrica, financiada com uma doação de US $ 6,1 bilhões sob a Lei Federal CHIPS e Ciência, e está esperando até que as colônias migrem por conta do inverno. Mas o problema ressalta o perigo em negligenciar a natureza quando da tomada de decisões corporativas.

De acordo com o Fórum Econômico Mundial (WEF), mais da metade do produto interno bruto mundial, cerca de US$ 44 trilhões, é altamente ou moderadamente dependente da natureza. O impacto se estende além de alimentos e agricultura para produtos farmacêuticos, manufatura, imóveis, serviços financeiros, mineração e outras indústrias extrativas.

“Acho que o ditado é: usamos a natureza porque ela é gratuita, mas a perdemos porque ela não tem valor para nós em um balanço patrimonial, como outras partes de nossa tomada de decisão no mundo corporativo”, disse Rayne van den Berg, ex-CFO da empresa madeireira australiana Forico e líder global da GIST Impact, um provedor de serviços que coleta análises e dados sobre o risco da natureza.

“Teremos que achar maneiras de falar a mesma língua e ser capazes de apresentar informações e encontrar um diálogo comum sobre o que o valor realmente significa além do financeiro”, disse Berg durante a GreenFin 24 – conferência organizada pela GreenBiz em meados de junho.

A matemática sobre os riscos ambientais e a perda da biodiversidade

De acordo com executivos de alto escalão entrevistados pelo WEF, cinco dos 10 principais riscos previstos pelos líderes empresariais para 2033–2034 estão ligados às mudanças climáticas ou à natureza, incluindo a perda da biodiversidade, o colapso do ecossistema e a escassez de recursos naturais.

Uma análise de abril sobre a degradação da natureza relacionada à economia do Reino Unido prevê que até 12% do PIB do país está em risco até 2030. O Reino Unido está entre os países que mais esgotaram a natureza no mundo, e pelo menos 50% dos riscos que enfrenta têm origem no exterior, de acordo com a análise.

“Os riscos de degradação ambiental e perda de biodiversidade são pelo menos tão graves e urgentes e, de fato, se não forem abordados, duplicarão as perdas causadas pelas mudanças climáticas”, disse a principal autora do estudo, Nicola Range, especialista em finanças e biodiversidade, afiliada à Universidade de Oxford. Esses riscos incluem a qualidade do solo, espécies invasoras, doenças, contaminação, escassez de água, saúde microbiana e interrupções na cadeia de suprimentos.

Mais de 80% das empresas têm uma estratégia para reduzir emissões, mas apenas 5% têm metas para a perda da biodiversidade, disse Raviv Turner – sócio-gerente da consultoria NatureX Studio – na GreenFin. “O carbono não é nosso maior risco [nem] o mais imediato”, disse ele. [O riscos mais prementes] são “a integridade da biosfera e a biogeoquímica” – preocupações que afetam todos os organismos vivos.

Segundo Turner, os riscos da natureza assumem três formas principais:

Big pharma e a situação do caranguejo-ferradura

Um exemplo gritante do vínculo natureza-negócios vem da indústria farmacêutica, que depende de endotoxinas no sangue de caranguejos-ferradura para testar vacinas. Os caranguejos são sangrados e devolvidos à natureza em um estado enfraquecido, o que compromete sua capacidade de reprodução. Suas populações diminuíram em dois terços na Baía de Delaware nas últimas três décadas.

A Eli Lilly desenvolveu uma alternativa sintética que não conseguiu ser amplamente adotada entre outras empresas farmacêuticas dos Estados Unidos por causa da política corporativa, disse Margaret O’Gorman, presidente e CEO do Wildlife Habitat Council. “Esta é uma indústria que tem um risco e uma dependência que está causando”, disse ela. “[Essa indústria] realmente se recusa a enxergar que a solução existe e que precisa ser adotada”.

Impactos na biodiversidade e a inovação inspirada na natureza

As avaliações de impacto na biodiversidade são cada vez mais cruciais para a pesquisa e o desenvolvimento corporativos, disse O’Gorman, apontando para uma empresa petroquímica europeia, sem mencionar o nome, que avalia alternativas biológicas para a produção de vanilina, um ingrediente anti-inflamatório e aromatizante. Em torno de 95% da vanilina produzida hoje está ligada a petroquímicos.

No nível superficial, substituir esses produtos químicos por lignina, uma fibra vegetal produzida a partir de biochar, faz sentido para reduzir as emissões. Mas o Chief Sustainability Officer (CSO) da empresa, que participou da discussão, desafiou a equipe de engenharia a investigar mais profundamente as fontes que estava considerando: lignina da produção brasileira de aço ou lignina de comunidades indígenas.

O’Gorman recusou divulgar qual das fontes foi a escolhida, citando acordos de confidencialidade, mas sugeriu que esse tipo de conversa aponta para o futuro da inovação corporativa. “Esta foi uma discussão literalmente conduzida pelo CSO no desenvolvimento de produtos, mas centrada na biodiversidade, não no clima”, disse.

Artigo original (em inglês) publicado por Heather Clancy na GreenBiz.

Sobre a autora
Heather Clancy é VP e Editora do Grupo GreenBiz. Ela é especializada em narrar as estratégias de liderança que permitem a ação climática corporativa e a transição para uma economia limpa, inclusiva e regenerativa. Jornalista premiada, Clancy começou sua carreira na mesa de negócios da United Press International, e seus artigos foram publicados na Entrepreneur, Fortune e The New York Times.

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