Mercado de carbono pode ajudar produtores de biodiesel

Máquinas extraindo e processando minérios ao ar livre em meio à vegetação exuberante
Imagem: cortesia Tom Fisk | Pexels

O mercado de carbono está para ser regulado no Brasil. Os produtores de biodiesel podem se beneficiar desse mercado através dos créditos de carbono. Mas antes de abordar o que são créditos de carbono e como o mercado de carbono pode beneficiar o segmento de energia renovável, é preciso fazer uma breve contextualização a partir dos primeiros choques do petróleo, ocorridos há meio século.

A crise energética do começo dos anos 70, causada pelo embargo do petróleo pelos países membros da OPEP, fez o preço do barril passar de US$2 para US$34, desencadeando uma tremenda crise mundial sem precedentes1, alimentada pelo aumento dos custos de energia.

A publicação do livro The Limits to Growth, em 1972, idealizado pelo Clube de Roma, exerceu uma grande influência na população sobre a conscientização quanto às consequências de um eventual esgotamento dos recursos naturais2.

A partir de então, não demorou muito para se estabelecer uma relação entre produção, consumo e poluição, e a necessidade da criação de mecanismos que pudessem exercer um controle – ou mesmo uma redução – da poluição ambiental.

Foi diante deste contexto ecológico que em 1992 a Organização das Nações Unidas (ONU) reuniu no Rio de Janeiro líderes e cientistas de várias partes do mundo para debaterem sobre as causas e consequências da crescente degradação do meio ambiente de nosso planeta e quais medidas poderiam ser tomadas para resolver os problemas. Essa conferência do Rio ficou conhecida como Cúpula da Terra.

A partir de 1995, cada um desses encontros internacionais realizados pela ONU passou a ser chamado de Conferência das Partes (COP), cuja frequência seria anual e sempre em um país diferente. Dessa forma, a 1ª Conferência das Partes (COP1) aconteceu em 1995, a COP2 em 1996, e assim por diante.

Cinco anos depois do evento no Rio, o Japão torna-se anfitrião da COP3, durante a qual o Protocolo de Kyoto foi criado, dando origem ao mecanismo dos créditos de carbono.

Protocolo de Kyoto

O Protocolo de Kyoto foi um acordo internacional firmado entre os participantes da COP3, conferência realizada em 1997 na cidade japonesa de Kyoto (por isso o protocolo leva seu nome).

O compromisso explícito do acordo foi o de tentar reduzir as emissões de gases poluentes, cuja maior parte se confirmaria ser de origem antropogênica, ou seja,lançados na atmosfera terrestre por ação humana – um consenso construído ao longo de cúpulas anteriores.

Gases sendo expelidos por várias chaminés de uma fábrica
Imagem: cortesia Frans Van Heerden | Pexels

Representantes de quase 150 nações participaram da COP3 e cerca de 180 países assinaram o Protocolo de Kyoto, o qual anos mais tarde foi ratificado por 195 países, incluindo os Estados Unidos3. Em 2015, durante a COP21, o Acordo de Paris foi criado como substituto do Protocolo de Kyoto, cuja validade se estendeu até o final de dezembro de 2020.

O que são créditos de carbono

Criados pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) resultante do Protocolo de Kyoto, os créditos de carbono foram estabelecidos como um incentivo para que países signatários pudessem reduzir seus índices de emissão dos gases de efeito estufa (GEE), particularmente o dióxido de carbono (CO2), com base nas emissões de 19904.

Expelido por veículos movidos a combustão interna (alimentados por combustíveis fósseis como a gasolina e o óleo diesel), o CO2 é visto pela comunidade científica como o principal vilão do aquecimento global, por ser ele o responsável por 55% das emissões provocadas pelos GEE5. Assim, estabeleceu-se que um crédito de carbono seria gerado na forma de CBio como compensação para cada tonelada de CO2 não emitida na atmosfera.

O que são CPEB e CBios e como são comercializados

No final de 2017 o governo federal promulgou a Política Nacional de Biocombustíveis – mais conhecida como RenovaBio – como parte integrante da política nacional de energia.

O principal objetivo da RenovaBio é o de aumentar a segurança energética em todo o Brasil, mediante a expansão da produção e uso de biocombustíveis, como o biodiesel, etanol, biometano e bioquerosene, de forma mais sustentável.

A RenovaBio trouxe consigo duas novidades inexistentes em políticas de biocombustíveis criadas anteriormente: o Certificado de Produção Eficiente de Biocombustíveis (CPEB) e os Créditos de Descarbonização (CBios).

O CPEB é definido como um documento emitido em função do resultado do processo de certificação de biocombustíveis e é concedido a produtores cuja produção apresente a eficiência energético-ambiental exigida na RenovaBio.

Esse processo de certificação é conduzido unicamente por empresas inspetoras altamente qualificadas, aprovadas e credenciadas pelo governo brasileiro – através da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – para inspecionar os produtores ou importadores de biocombustíveis6. A partir do momento em que o CPEB é emitido em nome da empresa produtora de biocombustível, ela se qualifica para adquirir os CBios.

Os CBios são definidos pela RenovaBio como instrumentos registrados na forma de escritura, com o objetivo de atestar metas anuais obrigatórias para a redução de emissões de GEE por parte das distribuidoras de combustíveis fósseis, dentre as mais conhecidas estão a BR, Ipiranga e Raízen.

Essas metas são individuais e seus valores são estabelecidos em unidades de CBios, sendo que cada CBio equivale a uma tonelada de CO2 equivalente (CO2eq.) não lançado na atmosfera6.

Ao passo em que a produção sustentável dá condições para que os produtores do biocombustível sejam remunerados mediante a concessão dos créditos de descarbonização, com base em sua Nota de Eficiência Energético-Ambiental, a RenovaBio determina que as distribuidoras de combustíveis fósseis adquiram esses CBios para que possam atenuar suas pegadas de carbono.

A RenovaCalc é uma ferramenta que se utiliza da estrutura de uma planilha eletrônica para contabilizar a intensidade de carbono presente em um biocombustível, em gCO2eq./MJ, e poder compará-la com a de seu equivalente fóssil7.

Tudo isso é feito com base na metodologia da Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), considerando a diferença entre as emissões de GEE no ciclo de vida do biocombustível e as emissões no ciclo de vida de seu substituto fóssil8, eficiência energética e impacto ambiental9.

Como o mercado de carbono pode ajudar os produtores de biodiesel

De maneira bem simplificada, o mercado de carbono funciona da seguinte forma: quem mais polui pode comprar créditos de quem menos polui e, assim, adquirir o direito de poluir, uma vez que não conseguiu cumprir suas metas para a redução da poluição; em outras palavras, o mercado de carbono pode se transformar numa opção de custo mais eficiente para que o poluidor possa reduzir sua poluição3.

Como a agricultura oferece a possibilidade do sequestro de carbono poder ser feito através de plantas, via fotossíntese5, a queima de combustíveis mais limpos que são derivados desse tipo de biomassa pode reduzir as emissões de CO2 na atmosfera. Esse é o caso do biodiesel, por exemplo.

Gráfico vetorizado mostrando o processo de fotossíntese de uma planta
Imagem vetorizada do processo de fotossíntese de planta | Cortesia Freepik | Adaptado de brgfx

A redução nas pegadas de carbono que o biodiesel oferece a seus produtores é uma oportunidade para que eles possam adquirir créditos e transformá-los em títulos que poderão ser negociados no mercado de carbono10.

A literatura estima que cada tonelada de biodiesel puro (B100) seja capaz de acumular 2,5 toneladas de créditos de carbono11, os quais podem ser vendidos no mercado internacional por valores que variam de $1 a $137 dólares americanos por tonelada, com potencial para aumentar 15 vezes até o ano de 2030 – em 2020 movimentou US$227 bilhões12.

Dessa forma, os produtores brasileiros de biodiesel que são detentores de tais créditos poderão comercializá-los com os países que ainda não alcançaram suas metas para a redução das emissões de CO2. Isso serve para produtores de outros biocombustíveis, como o etanol.

Alguns países já aprovaram medidas para promover o desenvolvimento mais livre de carbono, dentre os quais estão Canadá, Japão, Alemanha, Dinamarca, França, Holanda, Noruega e Suécia13.

Em 2005 a União Europeia (UE) lançou o maior mercado de carbono do mundo, conhecido como Emissions Trading System–ETS3, o qual ainda continua com regras próprias e bem rígidas com relação a créditos de descarbonização14. Isso quer dizer que para o mercado europeu abraçar o mercado brasileiro de CBios será preciso que este se reestruture para que possa se adequar às regras vigentes daquele quando o mesmo se abrir.

De qualquer forma, apesar desses mercados internacionais apresentarem oportunidades que devem ser aproveitadas somente no futuro, os produtores brasileiros de biodiesel ainda podem contar com o mercado de carbono que atualmente se desenvolve de forma mais otimista em nosso país, inclusive com sua regulação sendo proposta por um projeto de lei que tramita no Congresso15.

Regulação do mercado de carbono no Brasil

O Projeto de Lei 528/2021 (PL 528/2021), proposto em fevereiro de 2021 pelo deputado Marcelo Ramos, do Amazonas, prevê a regulação do Mercado de Carbono no Brasil, previsto na Política Nacional de Mudança do Clima.

A tramitação do PL 528/2021 encontra-se na Câmara dos Deputados, cujo requerimento foi aprovado em 21/9/2021 pela presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, deputada Carla Zambelli.  No momento, ela aguarda a realização de Audiência Pública para análise e debate desse projeto para, então, dar seu parecer como relatora15.

Referências

[1] Chehebe, J.R.B. Análise do Ciclo de Vida de Produtos: Ferramenta Gerencial da ISO 14.000. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2002. 120 p.

[2] UNEP. United Nations Environment Programme. Life cycle assessment: what it is and how to do it. (1996).

[3] Hannah, L. Climate Change Biology, 3 ed. Chapter 20. p. 425–438. London: Academic Press, 2022. ISBN 9780081029756.

[4] UNFCCC. United Nations Framework Convention on Climate Change. Kyoto Protocol. (1998).

[5] Moreira, S.L.S. et al. Above- and below-ground carbon accumulation in cultivated macauba palm and potential to generate carbon credits. Journal of Cleaner Production 265 (2020) 121628.

[6] MME. Ministério de Minas e Energia. Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). (2017).

[7] Matsuura, M.I.S.F. et al. RenovaCalc:  Método e ferramenta para a contabilidade da Intensidade de Carbono de Biocombustíveis no Programa RenovaBio. (2018).

[8] PLANALTO. Decreto N° 9.308. Definição de Metas Compulsórias Anuais de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa. (2018).

[9] Nastari, P. Overcoming current challenges and framing the policy options ahead: Brazil’s new proposal for a biofuels national policy RenovaBio. In: Proceedings of the Biofuture Summit 17; 24-25 October 2017; São Paulo. Brasília: Biofuture Platform. (2017).

[10] Benvenga, M.A.C. et al. Genetic algorithm applied to study of the economic viability of alcohol production from Cassava root from 2002 to 2013. Journal of Cleaner Production 113 (2016) 483–494.

[11] Giraçol, J. et al. Reduction in ecological cost through biofuel production from cooking oils. Journal of Cleaner Production 19 (2011) 1324–1329.

[12] Figueiredo, M.B. Mercado de créditos de carbono: saiba quais são as propostas para o Brasil. Correio Braziliense, 6 de outubro (2021).

[13] Silva Filho, S.C. et al. Environmental and techno-economic considerations on biodiesel production from waste frying oil in São Paulo city. Journal of Cleaner Production 183 (2018) 1034–1042.

[14] Lovcha, Y. et al. The determinants of CO2 prices in the EU emission trading system. Applied Energy 305 (2022) 117903.

[15] CÂMARA. Câmara dos Deputados. Página Inicial / Atividade Legislativa / Projetos de Lei e Outras Proposições / PL 528/2021. (2021).

Agradecimento: Freepik por permitir usar neste post a imagem vetorizada do processo de fotossíntese de planta.
Food vector created by brgfx – www.freepik.com

Sobre o autor | Fernando Oliveira


Fernando é o fundador e editor da Sustenare News. Ele é administrador de empresas, cientista da computação e doutor em energia pela Universidade de São Paulo (USP). Fernando morou nos Estados Unidos por dez anos, país onde cursou universidade e trabalhou por igual período para empresas de tecnologia e do ramo editorial.

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