Posso alimentar minha casa com a energia de meu carro elétrico?
Na medida em que os fabricantes introduzem novos modelos de veículos elétricos, a demanda por eles cresce de forma constante. As vendas de novos veículos elétricos (EVs) nos EUA praticamente dobraram em 2021 e podem dobrar novamente em 2022, de 600.000 para 1,2 milhão. Os líderes da indústria automobilística esperam que os EVs possam responder por pelo menos metade de todas as vendas de carros novos nos EUA até o final da década.
Os EVs atraem clientes diferentes de maneiras diferentes. Muitos compradores querem ajudar a proteger o meio ambiente; outros querem economizar dinheiro com gasolina ou experimentar novidades tecnológicas.
Em áreas como a Califórnia e o Texas, que nos últimos anos sofreram com quedas de energia decorrentes do clima, os consumidores estão começando a considerar os EVs de uma nova maneira: como uma fonte potencial de eletricidade para o momento em que as luzes se apagarem.
A Ford se utilizou da possibilidade de armazenamento de energia como um ponto de venda de sua picape elétrica F-150 Lightning, que deve chegar aos showrooms em algum momento de 2022. A empresa diz que a picape pode alimentar totalmente uma casa média por três dias com uma única carga.
Até agora, porém, apenas alguns veículos podem carregar uma casa dessa maneira, e isso requer equipamentos especiais. O carregamento de veículo para casa (vehicle to house, ou V2H), também apresenta desafios para as concessionárias de energia.
O ABC do V2H
Os maiores fatores envolvidos no uso de um EV para definir se posso alimentar minha casa com a energia elétrica de meu carro são o tamanho da bateria do veículo e se ela está configurada para “carregamento bidirecional”. Veículos com essa capacidade podem usar eletricidade para carregar suas baterias e podem enviar eletricidade de uma bateria carregada para uma casa.
Existem duas maneiras de julgar quão “grande” é uma bateria. A primeira é medida pela quantidade total de carga armazenada na bateria. Este é o número mais amplamente divulgado pelos fabricantes de EV, porque determina até onde o carro pode dirigir.
Baterias para sedãs elétricos como o Tesla Modelo S ou o Nissan Leaf podem ser capazes de armazenar de 80 a 100 quilowatts-hora de carga. Como referência, uma carga de 1 quilowatt-hora produz energia suficiente para alimentar um refrigerador padrão por cinco horas.
Uma casa típica nos EUA usa cerca de 30 quilowatts-hora por dia, dependendo de seu tamanho e de quais aparelhos as pessoas usam. Isso significa que uma bateria EV típica pode armazenar uma carga suficiente para suprir as necessidades totais de energia dessa casa por alguns dias.
A segunda maneira de avaliar a capacidade de uma bateria EV é sua potência máxima no modo de backup. Isso representa a maior quantidade de carga elétrica que poderia ser injetada na rede ou numa casa num dado momento.
Um EV operando no modo de backup normalmente terá uma saída de potência máxima mais baixa do que no modo de condução. A capacidade de energia de backup é importante, pois indica quantos aparelhos uma bateria de EV pode alimentar de uma só vez.
Esse número não é tão amplamente divulgado para todos os EVs, em parte porque o carregamento V2H ainda não foi largamente implantado. A Ford anunciou que sua picape F-150 elétrica teria uma potência máxima V2H de 2,4 quilowatts, com possibilidade de expansão para 9,6 quilowatts – aproximadamente o mesmo que uma única unidade de armazenamento de energia doméstica de um modelo Tesla Powerwall de última geração.
Na extremidade inferior, 2,4 quilowatts é energia suficiente para fazer funcionar de oito a 10 geladeiras ao mesmo tempo e também uma casa típica continuamente por alguns dias – ou muito mais do que isso se a eletricidade for usada com moderação. Na extremidade superior, um nível de potência de 9,6 quilowatts poderia fazer funcionar mais aparelhos ou aparelhos de maior potência, mas esse nível de uso drenaria a bateria mais rapidamente.
Armazenar a energia quando ela for mais barata
Para alimentar minha casa com a energia de meu carro elétrico será preciso que ele tenha um carregador bidirecional e seja compatível com o carregamento V2H. Carregadores bidirecionais já estão disponíveis comercialmente, embora alguns possam acrescentar vários milhares de dólares ao preço do carro.
Atualmente, apenas um número limitado de EVs no mercado é compatível com V2H, incluindo a Ford Lightning, Nissan Leaf e Mitsubishi Outlander. A General Motors e a Pacific Gas & Electric planejam testar o carregamento V2H na Califórnia em meados de 2022 usando vários veículos elétricos da GM.
Alguns proprietários de EVs podem esperar usar seus veículos para o que os administradores de serviços públicos chamam de “pico de uso” – extraindo energia doméstica de seu EV durante o dia em vez de depender da rede, reduzindo assim suas contas de eletricidade durante os horários de pico de demanda. Para fazer isso, talvez eles precisem instalar equipamentos especiais de medição que possam controlar tanto a descarga da bateria do veículo quanto o fluxo de energia da rede para a casa.
A redução de “pico de uso” faz mais sentido em áreas onde as concessionárias têm preços de energia elétrica por tempo de uso, o que torna a energia da rede muito mais cara durante o dia do que à noite. Uma casa com “pico de uso” consumiria eletricidade barata à noite (para carregar a bateria do EV) e depois armazenaria essa eletricidade para uso durante o dia, evitando altos preços na conta de luz.
Concessionárias de energia e o futuro do V2H
Embora os recursos para carregamento V2H já existam, provavelmente levará um pouco de tempo até que sejam adotados de forma generalizada. O mercado de veículos elétricos compatíveis com V2H precisará crescer e os custos dos carregadores e outros equipamentos precisarão cair.
Tal como acontece com o modelo Tesla Powerwall, o maior mercado para V2H provavelmente será de proprietários que desejam armazenar energia para usá-la quando a rede falhar, mas que não desejam investir em um gerador especial apenas para esse fim.
Permitir os proprietários usarem seus veículos para servirem de backup na hora em que a energia cair reduziria os impactos sociais de apagões em larga escala. Também daria às concessionárias mais tempo para restaurar o serviço – especialmente quando houver danos substanciais em postes e fios, como foi o caso durante o furacão Ida, na Louisiana, em agosto de 2021.
As empresas de energia ainda terão que gastar dinheiro construindo e mantendo a rede para fornecer um serviço confiável.
Em algumas áreas, esses custos de manutenção da rede são repassados aos clientes por meio de cobranças de pico de demanda, o que significa que pessoas sem V2H – provavelmente as de renda mais baixa – podem ter que arcar com uma parcela maior desses custos do que aquelas com V2H, as quais evitarão comprar da rede a energia de pico.
Isso é especialmente verdadeiro se muitos proprietários de EVs usarem painéis solares no telhado para carregar as baterias de seus carros elétricos e usá-las para atender o pico de demanda. Ainda assim, mesmo com o V2H, os veículos elétricos são um enorme mercado para as concessionárias de energia elétrica.
O carregamento bidirecional também é parte integrante de uma visão mais ampla para uma próxima geração de rede elétrica na qual milhões de EVs estarão constantemente consumindo e injetando energia na rede – um elemento-chave para um futuro eletrificado. Primeiro, porém, as concessionárias de energia precisarão entender como seus clientes usam o carregamento V2H e como isso pode afetar suas estratégias para manter a rede confiável.
Artigo original (em inglês) publicado por Seth Blumsack na The Conversation.
Sobre o autor
Seth Blumsack é Professor de Energia e Economia Ambiental e Relações Internacionais da Pennsylvania State University; Diretor do Penn State Center for Energy Law and Policy; Professor Adjunto de Pesquisa no Carnegie Mellon Electricity Industry Center; e é recipiente de fundos da U.S. National Science Foundation, Alfred P. Sloan Foundation e Heising Simons Foundation.
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