Arquitetos do “net zero” reconhecem que erraram

Poluição saindo de fábria sugere que os arquitetos do net zero erraram
Foto: cortesia Pixabay

Quando três renomados cientistas europeus conceberam a ideia do “net zero”, eles acreditavam que a solução para conter o aquecimento global poderia ser encontrada pela aplicação daquele conceito. Recentemente, os três publicaram conjuntamente um artigo no qual explicam não somente como erraram, mas principalmente como o “net zero” representa perigos óbvios. Este artigo explica porque os arquitetos do “net zero” reconhecem que erraram e porque o “net zero” representa uma armadilha perigosa.

O conceito “net zero” foi cunhado por James Dyke, Robert Watson e Wolfgang Knorr para representar emissões de gases de efeito estufa (GEEs) iguais a zero – já explicado em outro artigo aqui. Ou seja, “net zero” representa a quantidade de GEEs que é desejada para que o aumento da temperatura média global fique limitado a no máximo 1,5 °C, conforme combinado no Acordo de Paris.

Dyke, Watson e Knorr explicam no artigo que as mudanças climáticas decorrem da existência de uma quantidade muito grande de dióxido de carbono (CO2) que está presente na atmosfera. Eles também sugerem que, de acordo com o plano atual para evitar uma catástrofe, devemos parar de emitir o CO2 e até mesmo remover parte das emissões que já foram lançadas.

Segundo eles, as opções para remover as emissões da atmosfera incluem desde o plantio de árvores em larga escala ao uso de tecnologias que possam sugar o carbono do ar. Estas ideias são boas na teoria, mas que “infelizmente, na prática, ajudam a perpetuar a crença na salvação tecnológica e diminuir o senso de urgência em torno da necessidade de reduzir as emissões agora”, dizem os cientistas.

Tal constatação levou os arquitetos do “net zero” a se arrepender da criação do conceito, cujo intuito era o de solucionar um problema – e não ajudar a piorá-lo.

“Chegamos à dolorosa percepção de que a ideia do “net zero” permitiu uma abordagem imprudente do ‘queime agora, pague depois’, a qual fez com que as emissões de carbono continuassem a crescer e também acelerasse a destruição do mundo natural pelo aumento do desmatamento hoje, com riscos de mais devastação no futuro”. 

James Dyke, Robert Watson e Wolfgang Knorr

Os autores sugerem que após a criação do Protocolo de Kyoto, as primeiras modelagens computacionais ligando emissões de GEEs a impactos em diferentes setores da economia começaram a surgir como resultado de análises sobre como variações econômicas e tecnológicas poderiam resultar em mudanças nas emissões de GEEs.

Infelizmente, tais modelagens também removeram a necessidade de um pensamento crítico profundo, pois representam a sociedade como uma teia de compradores e vendedores idealizados e sem emoção e, portanto, ignoram realidades sociais e políticas complexas, ou mesmo os impactos das próprias mudanças climáticas, dizem os autores.

Desconsiderando tais complexidades, a publicação diz que políticas públicas foram desenvolvidas a partir de esforços para permitir o sequestro de carbono em florestas, sob o argumento de que se bem conduzidas, as florestas seriam capazes de armazenar uma grande quantidade de carbono nas árvores e no solo, para então ser subtraída das obrigações de limitar a queima de carvão, petróleo e gás.

Em outras palavras, os autores argumentam que o pressuposto aqui era de que a queima de gás, carvão e petróleo poderia ser compensada pela proliferação da plantação de novas árvores. Assim, as modelagens computacionais estariam livres para produzir números que resultavam em baixas emissões de CO2, mas que geralmente não refletiam a realidade, visto que camuflavam a percepção sobre a urgência em se reduzir o uso de combustíveis fósseis, dizem eles.

Incluir a fixação [ou sequestro] de carbono em modelos econômicos climáticos representou a abertura de uma caixa de Pandora. E foi justamente aqui que se deu a origem das políticas de ‘net zero’ que hoje temos conhecimento”.

James Dyke, Robert Watson e Wolfgang Knorr

Segundo os autores, na virada do terceiro milênio, as modelagens computacionais começaram a incluir cada vez mais exemplos de tecnologias para remover o CO2 de usinas a carvão e armazenar o carbono capturado no subsolo de modo indefinido. Tais tecnologias são chamadas de Carbon Capture and Storage (CCS), ou captura e armazenamento de carbono.

Gráfico mostrando como funciona a captura de carbono mencionada pelos arquitetos do net zero.
Fonte: Adaptada de Scottish Power | LegalPlanet

Em 2009, quando a COP15 foi realizada na cidade de Copenhague, Dyke e colegas dizem que ficou claro que a tecnologia CCS não seria suficiente para mitigar as mudanças climáticas por duas razões principais: a tecnologia ainda não existia na época e o custo para a implantação era alto.

Para os autores, estava evidente que a tecnologia CCS não seria capaz de fazer reduções graduais de CO2 ou reverter suas emissões nos moldes exigidos pelas políticas públicas – aliás, emissões que, inclusive, seguiam aumentando.

Diante de tal comprovação, novas ideias começaram a surgir sobre o uso de tecnologias alternativas como, por exemplo, Bioenergy Carbon Capture and Storage, Direct Air Capture, e Geoengineering. Todas enfrentaram o mesmo tipo de barreira, aparentemente intransponível: altos custos de implantação para uso em larga escala.

Um relatório da International Energy Agency (IEA), publicado em 2021, sugere que colocar o mundo no caminho para emissões net zero pelos próximos 28 anos exigirá investimentos anuais em projetos de energia limpa e infraestrutura da ordem de $4 trilhões de dólares americanos até 2030. (Mais informações sobre o assunto em outro post publicado aqui.)

No entanto, apesar dos custos proibitivos, Dyke e colegas dizem que empresas e formuladores de políticas públicas parecem levar a sério a implantação de tecnologias altamente especulativas como forma de conduzir nossa civilização para um destino sustentável – ideia que na opinião dos autores representa um conto de fadas.

Portanto, diante da percepção de que o “net zero” não funcionou de acordo com a ideia originalmente concebida quando de sua postulação, os autores fazem um alerta quanto aos perigos que o “net zero” representa para as mudanças climáticas.

“Chegou a hora de expressar nossos medos e ser honestos com a sociedade em geral. As atuais políticas de “net zero” não manterão o aquecimento dentro de 1,5°C porque nunca foram planejadas para tal. Elas foram e ainda são motivadas pela necessidade de proteger os negócios como de costume, não o clima”.

James Dyke, Robert Watson e Wolfgang Knorr

Dessa forma, Dyke e colegas concluem o artigo sugerindo que a única forma de manter a humanidade no caminho seguro é cortando as emissões de GEEs de forma imediata, radical e sustentada – não esquecendo de que o corte também precisa ser feito de maneira socialmente justa. E a melhor forma de cortar as emissões de GEEs começa pela criação de uma taxa sobre o carbono.

Sobre o autor | Fernando Oliveira


Fernando é o fundador e editor da Sustenare News. Ele é administrador de empresas, cientista da computação e doutor em energia pela Universidade de São Paulo (USP). Fernando morou na Califórnia por dez anos, onde cursou universidade e trabalhou por igual período para empresas de tecnologia e do ramo editorial.

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