Arquitetura resiliente ao clima num mundo em aquecimento

Imagem de uma casa que tem parte da construção embutida no solo e coberta por vegetação ilustra o post sobre a função da arquitetura resiliente ao clima num mundo em aquecimento.
O solo que encobre a casa serve de isolante térmico contra padrões climáticos gerais. Imagem gerada por IA, cortesia de Freepik.

Enquanto o Reino Unido se prepara para mais uma onda de calor recorde, somos fortemente lembrados da necessidade de uma arquitetura resiliente ao clima num mundo em aquecimento.

Nas últimas décadas, os arquitetos têm feito tal abordagem ao considerar estratégias de design passivo, as quais levam em conta as abordagens de design que aproveitam os recursos naturais, como a luz solar ou o vento, para ter um conforto interno, sem depender de opções que consumam muita energia, como o ar condicionado.

Arquitetos de todo o mundo estão desenvolvendo projetos que não apenas respondem aos climas e contextos culturais locais, mas que também ultrapassam os limites do design sustentável. Alguns se inspiram na arquitetura vernacular, um tipo de construção tradicional específica para a localização do prédio e os materiais disponíveis localmente. Outros aprendem com a natureza e empregam a biomimética, um processo que copia estratégias encontradas em ecossistemas naturais para resolver os desafios do design humano, como os próximos três exemplos ilustram.

Ventilação inspirada em cupinzeiros

O campus da Startup Lions é um campus de tecnologia da informação e comunicação que está localizado às margens do Lago Turkana, no Quênia.

Imagem de um prédio localizado ao lado de uma vegetação rasteira ilustra o post sobre a arquitetura resiliente ao clima num mundo em aquecimento.
O prédio da Startup Lions imita a ventilação de um cupinzeiro. Crédito: Kinan Deeb, cortesia da Kere Architecture.

Este prédio é inspirado em cupinzeiros africanos encontrados no entorno do local. Os montes têm uma rede de túneis e aberturas que permitem a entrada de ar frio através de pequenas aberturas na base, enquanto o ar quente sobe e sai por uma chaminé central, mantendo estável o ambiente interno.

Semelhante aos montes, o prédio possui aberturas ajustáveis de baixo nível, especialmente projetadas, que transportam ar fresco para dentro. À medida que o ar aquece dentro do prédio, ele sobe por conta de sua menor densidade em comparação com o ar externo mais frio.

As torres então ajudam a extrair esse ar quente por meio do efeito de pilha, em que a diferença na pressão e temperatura do ar faz com que o ar quente suba e escape pelo topo da estrutura, puxando o ar mais frio da parte de baixo. Este processo ajuda a circular continuamente o ar fresco que resfria o prédio.

O poder dos telhados duplos

No calor extremo, uma extensão da escola primária de Gando, em Burkina Faso, permanece fresca por meio da ventilação natural possibilitada por seu teto duplo.

Esse teto duplo tem duas funções. Primeiro, ele fornece uma saliência, protegendo todo o prédio contra o sol forte durante o ano inteiro. Em segundo lugar, enquanto o calor aumenta naturalmente, o ar quente escapa pela lacuna criada entre os dois telhados e vai embora com os ventos predominantes, acelerando o processo e resfriando o prédio com mais eficiência.

O telhado interno, o qual é abobadado e composto por tetos perfurados, permite que o calor escape de forma mais eficaz.

Na escola primária de Gando, um teto duplo mantém as crianças refrescadas. Crédito: Erik Jan Ouwerkerk, cortesia da Kere Architecture.

Adicionalmente, o teto externo é projetado com uma forma curva, criando o que é conhecido como efeito Venturi – um fenômeno em que o ar acelera à medida que flui através das seções mais estreitas formadas pela curva. Isso aumenta significativamente a ventilação natural do prédio e mostra como várias estratégias baseiam-se umas nas outras para obter um maior desempenho de resfriamento.

Abraçando o isolamento natural do solo

As soluções arquitetônicas empregadas no campus da Startup Lions e na extensão da escola primária de Gando são adaptadas para climas quentes, mas os princípios subjacentes de trabalhar com o clima e o meio ambiente do local são universais.

No Reino Unido, país em que o clima geralmente é mais ameno, o abrigo [oferecido pelo] solo provou ser impactante na manutenção de temperaturas internas confortáveis. Underhill, por exemplo, é uma casa projetada pelo arquiteto britânico Arthur Quarmby, em West Yorkshire, que usa a temperatura estável do solo para se refrescar no verão.

O solo é um poderoso isolante térmico. Enquanto a temperatura do ar está sujeita à luz solar, vento e padrões climáticos gerais, as temperaturas subterrâneas permanecem relativamente constantes a uma profundidade de 2 a 4m. Isso ocorre porque o solo tem uma massa térmica muito maior do que a do ar, o que significa que ele pode absorver e armazenar grandes quantidades de calor sem mudanças significativas de temperatura.

Imagem de uma casa cuja construção está quase que totalmente embutida no solo e coberta por vegetação ilustra o post sobre a função da arquitetura resiliente ao clima num mundo em aquecimento.
Underhill foi a primeira casa moderna coberta de terra na Grã-Bretanha, projetada em 1971 pelo arquiteto Arthur Quarmby, perto de Holmfirth, Yorkshire. Crédito: James O. Davies/Historic England.

Consequentemente, o abrigo do solo protege o prédio contra temperaturas externas extremas, chuva, vento e umidade. Por sua vez, isso mantém as temperaturas internas mais estáveis, evitando o superaquecimento durante o verão e mantendo um ambiente mais morno durante o inverno.

Enquanto enfrentamos ondas de calor cada vez mais frequentes e intensas, a necessidade de soluções arquitetônicas inovadoras se torna mais premente. Os prédios podem permanecer confortáveis sem recorrer a sistemas mecânicos que são intensivos [no consumo de] energia. A indústria da construção tem o dever de priorizar projetos [que sejam] responsivos ao clima, que minimizem o uso de energia e que contribuam para construção de um ambiente mais sustentável e resiliente.

Artigo original (em inglês) publicado por Sara Saadouni na The Conversation UK.

Sobre a autora
Sara Saadouni é Professora de Tecnologia Sustentável e Serviços de Engenharia de Construção na Nottingham Trent University. Ela é arquiteta pela École Nationale d’Architecture em Rabat, possui mestrado em Tecnologia da Construção Sustentável pela Universidade de Nottingham e é arquiteta licenciada pelo RIBA.

Declaração de Transparência

Sara Saadouni não trabalha, não faz consultoria, nem possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e também não revelou nenhum vínculo relevante além do cargo acadêmico que ocupa.

A Nottingham Trent University fornece financiamento como membro do The Conversation UK.

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