Os homens estão carregando o peso da ‘epidemia de solidão’ em meio a potentes pressões sociais
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Algumas semanas antes de Justin Bieber e sua esposa Hailey anunciarem em maio de 2024 que estavam esperando um bebê, o ícone pop postou uma selfie na qual parece choroso e perturbado.
Embora a atenção da mídia tenha se voltado rapidamente para a gravidez, houve pouca atenção ao significado de uma celebridade masculina e futuro pai compartilhar publicamente sua vulnerabilidade.
No entanto, a postagem de Bieber nas redes sociais é notável por tornar visível sua luta interna.
A dor emocional está ligada a sérios problemas de saúde, mas a resposta do público às expressões masculinas de emoção e vulnerabilidade é muitas vezes minimizadora, se não desdenhosa. Em resposta ao post choroso de Bieber, por exemplo, Hailey o descreveu como um “chorão bonito“.
Há um ano, o rapper canadense Dax lançou a música “To Be a Man“. Ele disse na época: “Esta é uma música na qual eu pus meu coração. Estou orando para que isso chegue a todos que precisam”.
Hoje, a mensagem da música permanece oportuna. Inclui as letras:
Sim, eu sei que esta vida pode realmente te derrubar
Você quer gritar, mas não conseguirá fazer um som
Você tem carregado tanto peso
Mas não mostrará qualquer emoção, como homem, que não seja dita
Como pesquisadores que estudam a paternidade e os papéis que os homens desempenham em suas famílias, reconhecemos a solidão e a dor nessas letras. Ouvimos pais descreverem o preço [que pagam] por tentarem manter um controle sobre seus sentimentos.
Em um estudo recente que realizamos com 75 novos e futuros pais negros, eles falaram da necessidade de lidar com traumas individuais e coletivos. Isso, disseram eles, acabaria ajudando no apoio a suas famílias. Mas eles disseram que os recursos para ajudar os homens com relação a sua saúde mental geralmente não estão disponíveis ou são muito limitados. Eles disseram que muitas vezes se sentem invisíveis para os profissionais de saúde.
“Como pai e homem”, disse um participante, “você tem que manter a paz e ser forte externamente, mas por dentro, você está desmoronando”.
As letras de Dax e nossa pesquisa refletem um desafio duradouro de saúde social – o silêncio terrível que normalmente envolve a saúde mental dos homens.
O preço do isolamento para os homens
Em maio de 2023, o cirurgião-geral dos EUA, Dr. Vivek Murthy, divulgou um comunicado destacando o que descreveu como uma epidemia de solidão e isolamento no país. Nossa pesquisa confirma esse flagelo.
Como as redes de apoio social dos homens – colegas, familiares, amigos próximos de infância – costumam ser menos robustas do que as das mulheres, a epidemia afeta desproporcionalmente os homens. A solidão resultante tem consequências muito reais para a saúde.
No relatório de Murthy, a solidão está associada a resultados negativos para a saúde, incluindo um “aumento de 29% no risco de doenças cardíacas, um aumento de 32% no risco de derrame e um aumento de 50% no risco de desenvolver demência em adultos mais idosos. Além disso, a falta de conexão social aumenta o risco de morte prematura em mais de 60%”.
Embora o relatório de Murthy se concentre em ambos os sexos, a pesquisa mostra que os homens são menos propensos do que as mulheres a procurar serviços para a saúde mental. Além disso, os homens têm atitudes mais negativas em relação à busca de ajuda e interrompem prematuramente o tratamento com mais frequência do que as mulheres.
Com essas consequências em mente, uma sociedade solidária pode perguntar: por que os homens estão carregando o peso desse risco à saúde e o que pode ser feito a respeito?
Redefinindo o valor dos homens além de prover o sustento
Muitos fatores podem contribuir para sentimentos de isolamento e desconexão entre os homens.
Na música “To Be A Man”, Dax aponta para um fator proeminente:
Como homem, temos que pavimentar nosso caminho
Nossa única função é trabalhar e trabalhar como escravo
Não há respeito por você se você não tem renda
Você é desprezado como humano e não pode reclamar
As definições tradicionais de masculinidade enfatizam a importância do papel dos homens como chefes de família.
Uma economia incerta, os preços altos dos alimentos e as moradias cada vez mais caras tornam ilusória para muitos homens a capacidade de financeiramente sustentar uma família. Esses fatores também minam o senso de identidade dos homens e contribuem para a solidão e sentimentos de isolamento.
Como parceiros e pais, os homens ainda são frequentemente percebidos como deficientes se não puderem prover economicamente. E as normas sociais enfatizam que eles não são valorizados por sua capacidade como cuidadores, mesmo que estejam mais envolvidos na criação de seus filhos do que nunca.
Isso está fora de sintonia com a realidade.
De acordo com a nossa pesquisa, os homens desempenham um papel importante como cuidadores na vida de seus filhos e exercem uma influência poderosa na saúde e no bem-estar das crianças. Os homens também encontram significado em seus papéis como pais.
Como diz Dax:
Como homem, nosso filho é nosso horizonte
O custo da vulnerabilidade suprimida
Além das pressões para prover, os homens também precisam superar estereótipos duradouros que sugerem que eles devem ser fortes e manter para si mesmos seus medos e tristezas.
Aqui, também, as normas de gênero precisam de uma atualização. Meninos e homens precisam se sentir à vontade para apresentar ao mundo seu verdadeiro e autêntico eu. Quando eles suprimem sua vulnerabilidade, isso cria uma barreira que os impede de procurar ajuda. Também perpetua o estigma e a epidemia de solidão.
Há uma interação complexa entre as suposições e crenças da sociedade sobre os homens e a paternidade.
Os homens, consequentemente, são menos propensos do que as mulheres a procurar serviços de saúde mental. Os profissionais de saúde, consequentemente, são mais propensos a subdiagnosticar e diagnosticar erroneamente os homens. Além disso, quando os recursos de saúde são disponibilizados, geralmente não são adaptados às necessidades dos homens.
As expectativas da sociedade podem criar uma pressão insuportável para os homens. E os grupos mais marginalizados, como pais negros de baixa renda, carregam um fardo desproporcional, sugere a pesquisa. Isso ficou mais evidente durante a pandemia da COVID-19, quando pais negros que trabalhavam em empregos essenciais e de alto risco priorizaram o apoio a seus filhos e famílias em detrimento de seu próprio risco de infecção e saúde mental.
Enquanto os homens continuam a redefinir seus papéis dentro das famílias e comunidades, é importante que a sociedade crie um espaço que reconheça e abrace suas vulnerabilidades e plena humanidade em todos os papéis sociais.
Os homens precisam de saídas para sua dor. Eles se beneficiariam de relacionamentos – com colegas, familiares e amigos – que os apoiassem e os nutrissem em momentos de alegria e de desafios emocionais. A solidão deles continuará a ser desproporcional sem a conexão necessária às assistências.
Os homens podem considerar se envolver em grupos de discussão de baixo risco em suas comunidades, com grupos online e em suas igrejas. Eles também podem procurar terapeutas pessoalmente ou online para sessões introdutórias para que possam testar a interação terapêutica antes de estabelecer um padrão mais consistente de serviços de terapia.
Em “To Be a Man”, Dax canta:
Não é de admirar que a maioria dos homens esteja tão deprimida
Todas as coisas que eles não podem expressar
É o círculo da vida, como homem, você provê
As pessoas não sabem o que você vale até o dia em que você morrer
À medida que a família dos Biebers se ajusta à vida como pais, Justin pode encontrar pessoas com quem possa conversar sobre suas experiências e emoções, pessoas que o vejam e o valorizem totalmente. E esperamos o mesmo para todos os homens e pais que estejam vivendo sua vida fora dos holofotes e fazendo o melhor que podem por si mesmos e por sua família.
Artigo original (em inglês) publicado por Alvin Thomas & Quinn Kinzer na The Conversation US.
Sobre os autores
Alvin Thomas, Ph.D., é professor associado de Desenvolvimento Humano e Estudos da Família e membro do corpo docente Phyllis Northway na Escola de Ecologia Humana da Universidade de Wisconsin-Madison. Ele é psicólogo clínico e fundador e apresentador do multipremiado Black Fatherhood Podcast com o Dr. Alvin Thomas.
Quinn Kinzer é doutoranda no Departamento de Ciência do Consumidor da Universidade de Wisconsin-Madison. Sua pesquisa investiga amplamente o envolvimento de populações vulneráveis no trabalho de mercado e como as políticas públicas afetam isso.
Declaração de Transparência
Alvin Thomas é afiliado ao Fórum para o Bem-Estar Infantil da Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina.
Quinn Kinzer não trabalha, não faz consultoria, nem possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com este artigo – e não divulgou afiliações relevantes além de seu cargo acadêmico.
A Universidade de Wisconsin–Madison fornece financiamento como membro da The Conversation US.