Cheirar o alimento é confiável para detectar se ele está estragado?
Acabo de tirar um pedaço de frango fatiado da geladeira e começo a preparar alguns sanduíches. Percebo que o alimento está dentro do prazo de validade, mas ainda estou desconfiado. Sem muito cuidado, outro membro da família rasgou a embalagem e as fatias ficaram expostas na geladeira por vários dias. Enquanto penso se o frango ainda pode ser usado, dou uma boa cheirada nele na expectativa de encontrar alguma evidência de estrago. Mas, cheirar o alimento é confiável para detectar se ele está estragado?
Eu deveria saber melhor, mas admito que também tenho esse hábito. Eu deveria saber melhor porque sou microbiologista e sei que os micróbios que podem me deixar doente não têm cheiro. No entanto, cá estou eu, tentando e falhando em ganhar confiança com o velho teste do cheiro.
Com certeza é verdade que alguns micróbios criam odores quando crescem. Os principais incluem o ótimo cheiro de fermento no pão que acabou de ser assado, que contrasta fortemente – e desculpem o humor do banheiro – com a aversão que todos nós temos às misturas gasosas criadas por nossos micróbios que se manifestam na forma de flatulência ou mau hálito.
Estes gases se formam quando as populações microbianas crescem e se tornam abundantes – isto é, quando o metabolismo de cada residente microbiano converte carbono e outros elementos em fontes de energia ou blocos de construção para a sua própria estrutura celular. No entanto, os micróbios mais comumente associados a doenças de origem alimentar, como Listeria e Salmonella, são quase impossíveis de detectar com o teste do cheiro.
Mesmo que presentes – e felizmente o risco é relativamente baixo – estas bactérias provavelmente estariam em quantidades tão pequenas nos alimentos que qualquer ação metabólica (e depois a produção de odores) seria totalmente imperceptível para os nossos narizes.
Além disso, qualquer cheiro de Listeria seria indistinguível dos pequenos odores produzidos pelas espécies microbianas mais abundantes, as quais são comuns e que imaginamos presentes em nossos alimentos – e que não nos causam problemas de saúde.
Sim, há uma chance muito pequena de que a Listeria esteja presente no salmão defumado que comprei na semana passada. Mas absolutamente nenhuma chance de que meus sentidos olfativos possam detectar qualquer indício de Listeria diante dos cheiros deliciosos de sais, fumaça que compõem o produto e dill [erva conhecida no Brasil como endro ou aneto].
De volta aos meus sanduíches de frango. São menores ainda minhas chances de sentir o cheiro de Salmonella no tomate que retirei de dentro da gaveta de frutas e vegetais da geladeira – mesmo que eu tivesse um olfato super poderoso para detectar o cheiro de Salmonella, o que não tenho.
Se este patógeno alguma vez esteve presente no tomate, provavelmente foi introduzido pela água contaminada da horta enquanto o tomate estava crescendo. Portanto, o patógeno não está na superfície do tomate, mas dentro dele – o que é duplamente impossível de sentir seu cheiro.
Comida estragada pode cheirar mal
Todavia, é possível detectar quando a comida está estragada – outra ação dos micróbios enquanto corroem os alimentos que levaram um longo tempo para serem consumidos ou que estiveram em condições erradas de armazenamento.
Esta é uma das razões pelas quais um uso mais apropriado do teste de cheiro pode ser útil para ajudar a limitar o desperdício de alimentos e eliminar o leite estragado, em vez de jogar fora o leite que poderia ser seguro. E para alguns alimentos – pense na contribuição microbiana para os melhores queijos – neste caso, ser malcheiroso é um atributo culinário.
Embora minha esposa discorde dos atributos aromáticos de alguns alimentos fermentados, como o kimchi [probiótico muito comum na culinária coreana], e os tenha banido de casa, eles definitivamente não estão estragados e não devem ser jogados no lixo.
Quando se trata de outros alimentos, como frutas frescas, vegetais ou leite, ainda presto atenção a quaisquer odores sugestivos de deterioração e os encaro como um alerta para melhorar o armazenamento desse tipo específico de alimento no futuro – ou para fazer ou comprar uma quantidade menor se não for consumi-lo em pouco tempo.
Reflito também que algumas das causas das doenças de origem alimentar ainda são desconhecidas por nós. Embora saibamos que muitas doenças são causadas por contaminantes bacterianos, como o Campylobacter ou outros micróbios que mencionei, da mesma forma há muitos casos em que ainda não sabemos sua origem. Contudo, também estamos melhorando neste aspecto, com os cientistas criando ferramentas muito mais precisas do que o nosso nariz na detecção de agentes patogênicos de origem alimentar.
Portanto, se algum dia eu ficar preocupado em adoecer por causa da comida, é melhor gastar minhas energias armazenando os alimentos na temperatura certa e cozinhando-os pelo tempo certo, em vez de confiar em meu nariz para farejar um patógeno. Eu nem confiaria no meu nariz para saber a diferença entre um cabernet e um shiraz, imagina entre uma Salmonella e uma Campylobacter.
Artigo original (em inglês) publicado por Matthew Gilmour, na The Conversation.
Sobre o autor
Matthew Gilmour é diretor da Rede de Pesquisa para a Segurança Alimentar (com sede no Instituto Quadram em Norwich, Inglaterra), cujo objetivo é o de intermediar projetos de pesquisa colaborativos entre empresas de alimentos e grupos de pesquisa acadêmica para tornar os alimentos mais seguros contra riscos microbianos. Dr. Matthew já atuou como Microbiologista Clínico no Centro de Ciências da Saúde em Winnipeg, Canadá, onde foi o líder do laboratório de Prevenção e Controle de Infecções.
Nota: Matthew Gilmour recebe financiamento do Conselho de Pesquisa em Biotecnologia e Ciências Biológicas (BBSRC). Ele é afiliado à Rede de Pesquisa de Segurança Alimentar do Reino Unido, que conecta empresas de alimentos, formuladores de políticas e acadêmicos para colaborar na busca de pesquisas compartilhadas que protegerão o Reino Unido contra riscos microbianos de origem alimentar.
O Instituto Quadram fornece financiamento como membro do The Conversation UK.