Pesticidas adoecem insetos em doses não letais – especialmente em climas quentes
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Os diversos sistemas regulatórios para aprovação de pesticidas em operação em todo o mundo são rudimentares e falhos. Isso está claro para os cientistas há muito tempo e é profundamente preocupante, pois esse regulamento deveria proteger as pessoas e o meio ambiente contra danos.
O sistema regulatório da União Europeia (UE) voltado para os pesticidas é indiscutivelmente o mais rigoroso do mundo, mas aprovou repetidamente o uso de pesticidas que posteriormente causaram danos aos seres humanos ou à vida selvagem, resultando em suas eventuais proibições. Contudo, leva décadas para que o dano se acumule antes de ser reconhecido.
A história do uso de pesticidas está repleta de exemplos: DDT, paration, paraquat, clorpirifós, neonicotinóides, clorotalonil e muitos outros. Inclusive já houve a proibição da maioria dos pesticidas que antes eram considerados seguros para os humanos e os animais selvagens que não eram o alvo, como as abelhas. Isso deveria sinalizar que o sistema regulatório não está funcionando.
Um novo estudo científico oferece ainda mais evidências. Uma pesquisa do Laboratório Europeu de Biologia Molecular mostra como os testes de pesticidas se concentram apenas na morte de um animal e ignoram quaisquer efeitos “subletais” importantes.
Se uma criatura, como uma abelha, ainda estiver viva 48 horas após a exposição a um produto químico, considera-se que tudo está bem e o produto pode ser aprovado para uso. A abelha pode ser incapaz de voar ou navegar, ou seu sistema imunológico pode não funcionar mais, mas isso não é registrado.
Múltiplas falhas regulatórias
Existem muitas outras falhas na regulamentação de pesticidas no Reino Unido e da UE. Testes regulatórios avaliam a “substância ativa” em um pesticida, mas os agricultores usam produtos com muitos ingredientes extras que podem amplificar sua toxicidade. Estranhamente, o produto utilizado pelos agricultores não é avaliado.
Os testes para verificar quão mortais são os novos pesticidas para a vida selvagem são frequentemente feitos internamente pelas empresas que buscam aprovação. Esta pesquisa raramente é revelada publicamente por ser considerada comercialmente sensível.
Tais testes se concentram nos efeitos da exposição de curto prazo (geralmente de 48 horas) em animais saudáveis, como abelhas, besouros predadores ou peixes-zebra. A realidade é que a exposição pode durar semanas, meses ou anos, e seus efeitos podem ser cumulativos.
Esses testes também visam expor os indivíduos a um único pesticida, quando organismos selvagens – e humanos – são expostos a misturas complexas de pesticidas, alguns dos quais agem sinergicamente (isso significa que o dano que causam é maior do que a soma dos efeitos de cada produto químico isoladamente).
No novo estudo, os pesquisadores usaram as larvas da moscas-das-frutas (Drosophila melanogaster) como espécie modelo. Isso forneceu aos cientistas um número grande de insetos para estudar os efeitos letais e subletais de 1.024 pesticidas diferentes (quase todos os produtos químicos disponíveis para agricultores em todo o mundo, incluindo os inseticidas, fungicidas e herbicidas).
Os pesquisadores expuseram essas larvas a uma variedade de concentrações de pesticidas, abrangendo o que os insetos provavelmente encontrarão nas terras agrícolas e, posteriormente, mediram aspectos de seu comportamento, fisiologia, aptidão e sobrevivência ao longo do tempo.
Os herbicidas e os fungicidas também prejudicam os insetos
Várias das descobertas deste estudo sugerem inadequações na regulamentação de pesticidas.
Primeiro, muitos produtos que não são inseticidas matam os insetos. Os agricultores geralmente evitam pulverizar os inseticidas nos horários em que os insetos benéficos, como as abelhas, estão ativos – em vez disso, eles pulverizam tarde da noite. Mas eles geralmente não se preocupam quando pulverizam produtos químicos voltados para atingir fungos e ervas daninhas. O novo estudo sugere que seria mais seguro supor que todos os produtos podem prejudicar os insetos.
Em segundo lugar, muitos produtos que não são inseticidas mataram poucos insetos durante as 16 horas de exposição neste estudo, mas muitos morreram nos dez dias seguintes. Claramente, avaliar apenas os efeitos de curto prazo não leva em consideração o impacto total.
Em terceiro lugar, 57% dos pesticidas testados afetaram o comportamento das larvas de insetos, incluindo 382 produtos não considerados inseticidas, demonstrando que os efeitos subletais são generalizados.
Por último, os pesquisadores descobriram que os efeitos dos pesticidas na sobrevivência dos insetos eram frequentemente muito maiores em temperaturas elevadas, algo não examinado por qualquer sistema regulatório do mundo.
A exposição a uma concentração de menos de uma parte por milhão do inseticida Lindano, por exemplo, não matou insetos a 25 °C, mas matou 79% deles a 29 °C. Obviamente isso é relevante para as mudanças climáticas e, particularmente, para a crescente frequência de ondas de calor. Talvez não devêssemos nos surpreender que os organismos tenham dificuldade em lidar com várias fontes concomitantes de estresse.
Várias tentativas foram feitas para introduzir regulamentos mais rigorosos que incluem a avaliação dos efeitos subletais e crônicos dos pesticidas. Em 2013, a Agência Europeia de Padrões Alimentares publicou um protocolo revisado para testes de segurança dos efeitos de novos pesticidas nas abelhas com um grupo de cientistas independentes. Onze anos depois, o protocolo não foi adotado por conta da forte oposição da indústria de pesticidas, a qual argumenta que seria mais caro implementá-lo.
Estamos no meio de uma crise da biodiversidade. Um estudo recente estimou que a população selvagem de vertebrados diminuiu 73% desde 1970. Os insetos são monitorados com menos cuidado, mas revisões recentes estimam que sua população diminuiu drasticamente e continua diminuindo a uma taxa média anual entre 1% e 2%.
Há muitas evidências de que os pesticidas contribuem para esses declínios e que o sistema regulatório falhou conosco. Ian Boyd, cientista chefe do Departamento de Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais do Reino Unido, escreveu em 2017 que os pesticidas submetidos a uma bateria de testes laboratoriais ou testes de campo são considerados benignos, mesmo quando usados em escalas industriais. “Os efeitos da dosagem de produtos químicos em paisagens inteiras foram amplamente ignorados pelos sistemas regulatórios”, disse ele.
Apesar dessa admissão feita por um cientista sênior do governo, o sistema permanece inalterado no Reino Unido e na UE. Enquanto esse for o caso, as populações de insetos continuarão a diminuir, com consequências para todos nós.
Artigo original (em inglês) publicado por Dave Goulson na The Conversation UK.
Sobre o autor
Dave Goulson é Professor de Biologia (Evolução, Comportamento e Meio Ambiente) na Universidade de Sussex. Dave estudou Biologia na Universidade de Oxford e fez doutorado em ecologia de borboletas na Universidade Oxford Brookes. Ele publicou mais de 200 artigos científicos sobre a ecologia de abelhas e outros insetos.
Declaração de Transparência
Dave Goulson é membro do Partido Verde no Reino Unido.
A Universidade de Sussex fornece fundos como membro da The Conversation UK.