Terra preta da Amazônia é o segredo para restaurar florestas

Foto de três vasos pretos de plástico com a planta cedro rosa em cada um dos vasos, em tamanhos diferentes, para ilustrar que terra preta da Amazônia é o segredo para restaurar florestas.
As amostras finais de cedro rosa apresentam diferenças no crescimento por conta do tipo de solo em que foram plantadas. Da esquerda para a direita: 100% terra preta, 20% terra preta, solo controle. Crédito: Luís Zagatto/Phys.Org/Reprodução.

Entre aproximadamente 450 a.C. e 950 d.C., milhões de ameríndios que viviam na atual Amazônia transformaram o solo – originalmente pobre – por meio de vários processos. Ao longo de muitas gerações humanas, os solos foram enriquecidos com o carvão oriundo do processo de cocção (em baixa intensidade) de alimentos, bem como da queima de lixo, ossos de animais, cerâmica quebrada, composto e esterco. O resultado dessa queima produziu a terra escura amazônica ou terra preta, excepcionalmente fértil por que é rica em nutrientes e matéria orgânica estável derivada do carvão vegetal, que dá origem a sua cor preta. Mas como essa terra preta da Amazônia é o segredo para restaurar florestas?

Cientistas brasileiros mostraram em um estudo recente que a terra preta pode ser uma ‘arma secreta’ para impulsionar o reflorestamento, não apenas na Amazônia – onde aproximadamente 780.000 km2 foram perdidos desde a década de 1970 – mas em todo o mundo. Os resultados do estudo foram publicados no periódico Frontiers in Soil Science. [DOI no final do texto.]

“Aqui mostramos que o uso de terras pretas pode aumentar o crescimento de pastagens e árvores em função de seus altos níveis de nutrientes, bem como pela presença de archaea e bactérias benéficas na comunidade microbiana do solo”, disse o principal pesquisador do estudo, Luís Zagatto, aluno de pós-graduação do CENA (Centro de Energia Nuclear na Agricultura), da ESALQ, na Universidade de São Paulo. “Isso significa que o conhecimento dos ‘ingredientes’ que tornam as terras pretas tão férteis pode ser aplicado para ajudar a acelerar projetos de restauração florestal.”

Imitando o reflorestamento em miniatura

Os pesquisadores conduziram experimentos controlados para imitar a sucessão ecológica e as mudanças no solo que ocorrem quando o pasto em áreas desmatadas é restaurado para virar uma floresta. O objetivo era estudar como as terras pretas (ou, em última análise, os solos dos quais o microbioma foi composto artificialmente para imitá-los) podem impulsionar esse processo.

Zagatto e seus colegas coletaram amostras de terra preta da Estação Experimental de Pesquisa Caldeirão, no estado do Amazonas e, como controle, o solo agrícola da ESALQ, no estado de São Paulo. Eles encheram cada um dos 36 potes de quatro litros com três quilos de terra, dentro de uma estufa com temperatura média de 34ºC de forma a antecipar o aquecimento global além das temperaturas correntes da Amazônia – entre 22 e 28ºC.

Um terço dos vasos recebeu apenas o solo controle, outro terço recebeu uma mistura de solo controle e terra preta na proporção de 4:1, e outro terço teve 100% de terra preta. Para simular o pasto, os pesquisadores plantaram, em cada vaso, sementes de Urochloa brizantha (capim braquial – forragem comum para a pecuária no Brasil) e deixaram suas mudas crescerem por 60 dias. Eles então cortaram a grama e deixaram apenas suas raízes no solo – território virgem para o reflorestamento em miniatura.

Em cada um dos três tipos de solo, os pesquisadores replantaram sementes das seguintes árvores: a espécie colonizadora de Cecropia pachystachya (embaúba ou umbaúba); a Peltophorum dubium (canafístula), que é típica de florestas secundárias; e o cedro rosa (Cedrela fissilis), típico de florestas clímax.

As sementes germinaram e as mudas cresceram por 90 dias. Após esse tempo, houve a medição da altura, massa seca e a extensão das raízes. Ao longo do experimento, os cientistas quantificaram as mudanças no pH do solo, textura e concentração de matéria orgânica, potássio, cálcio, magnésio, alumínio, enxofre, boro, cobre, ferro e zinco. Com métodos moleculares, eles também mediram mudanças na diversidade microbiana do solo.

Rico em nutrientes e micróbios benéficos

No início, as terras pretas apresentaram maiores quantidades de nutrientes do que o solo controle: por exemplo, 30 vezes mais fósforo e de três a cinco vezes mais de cada um dos outros nutrientes medidos, exceto o manganês. A terra preta também tinha um pH mais alto e continha mais areia e limo, embora menos argila.

Após o experimento, os solos continham menos nutrientes do que no início, refletindo sua absorção pelas plantas, mas os solos 100% terra preta permaneceram mais ricos em nutrientes do que os solos controle, enquanto que os níveis de nutrientes foram medianos nos solos com 20% de terra preta.

Amostras finais de embaúba apresentam diferenças no crescimento por conta do tipo de solo em que foram plantadas. Da esquerda para a direita: 100% terra preta, 20% terra preta, solo controle. Crédito: Luís Zagatto/Phys.Org/Reprodução.

Ao longo do experimento, solos com 20% ou 100% de terra preta resistiram a uma maior biodiversidade de bactérias e archaea do que os solos controle.

“Os micróbios transformam as partículas químicas do solo em nutrientes que podem ser absorvidos pelas plantas. Nossos dados mostraram que a terra preta contém microrganismos que são melhores nessa transformação dos solos, fornecendo assim mais recursos para o desenvolvimento das plantas”, disse Anderson Freitas, primeiro autor do artigo. “Por exemplo, os solos terra preta continham táxons mais benéficos das famílias bacterianas Paenibacillaceae, Planococcaceae, Micromonosporaceae e Hyphomicroblaceae“.

Crescimento aumentado

Os resultados também mostraram que a adição de terra preta ao solo melhorou o crescimento e o desenvolvimento das plantas. Por exemplo, a massa seca de capim braquial aumentou 3,4 vezes com 20% de terra preta e 8,1 vezes com 100% de terra preta, em comparação com o solo controle.

A adição de terra preta também aumentou o crescimento das três espécies arbóreas: mudas de cedro rosa e canafístula foram respectivamente 2,1 e 5,2 vezes mais altas com 20% de terra preta; e 3,2 e 6,3 vezes mais altas com 100% de terra preta, quando comparadas aos solos controle. A embaúba nem cresceu nos solos controle ou nos solos com 20% de terra preta, mas prosperou nos solos com 100% de terra preta.

Amostras finais de canafístula apresentam diferenças no crescimento por conta do tipo de solo em que foram plantadas. Da esquerda para a direita: 100% terra preta, 20% terra preta, solo controle. Crédito: Luís Zagatto/Phys.Org/Reprodução.

Os pesquisadores concluíram que a terra preta pode aumentar o crescimento das plantas. “Nossos dados apontam para uma mistura de nutrientes do solo e microrganismos adaptados [na terra preta] para melhorar o estabelecimento de plantas arbóreas em restauração”, escreveram eles.

O autor sênior Dr. Siu Tsai, professor do mesmo instituto, alertou: “A terra preta levou milhares de anos para se acumular e levaria o mesmo tempo para se regenerar na natureza, se usada. Nossas recomendações não são para utilizar a terra preta por si só, mas copiar suas características – particularmente seus microrganismos – para uso em futuros projetos de restauração florestal“.

Mais informação: Anderson Freitas et al. Amazonian dark earths enhance the establishment of tree species in forest ecological restoration, Frontiers in Soil Science (2023).
DOI: 10.3389/fsoil.2023.1161627.

Fonte: Frontiers in Soil Science

Artigo original (em inglês) publicado pela Phys.Org.

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