Brasileira cultivou fruta e legume em ambiente que imita o de Marte

Fotomontagem de uma planta com tomates pendurados que têm como pano de fundo o terreno seco e rochoso do planeta Marte para ilustrar o post cujo título diz que uma brasileira cultivou fruta e legume em ambiente que imita o de Marte.
Pesquisadores descobriram que uma antiga técnica maia de cultivo, chamada intercropping, funciona surpreendentemente bem em terreno seco e rochoso, semelhante ao de Marte. Créditos: WikiImages/Pixabay (Marte), Freepik (planta e tomates), Sustenare (fotomontagem).
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A primeira coisa que a astrobióloga brasileira Rebeca Gonçalves se lembra de ter aprendido quando criança foi a ordem dos planetas. Seu tio, astrofísico, também lhe ensinou tudo sobre as constelações que pontilham os céus noturnos de São Paulo. “Desde pequena, sou apaixonada pelo espaço”, disse ela.

Isso a conduziu para uma carreira na agricultura espacial, descobrindo como cultivar alimentos em outros planetas. Ela dá crédito ao tempo em que passou vivendo entre os Kambeba – uma tribo indígena da floresta amazônica da qual é descendente – por sua convicção de que é essencial que ela faça mais do que explorar mundos distantes. Ela quer preservar este também.

“É um tema muito consciente dentro do mundo científico da agricultura espacial”, disse Gonçalves, observando que “cada pesquisa que produzimos deve ter benefícios diretos para a Terra”.

Esse ideal torna sua pesquisa mais recente particularmente oportuna. Ela e uma equipe do Centro de Pesquisa para Análise de Sistemas de Cultivo, da Universidade Wageningen, descobriram que uma antiga técnica maia de cultivo, chamada intercropping, funciona surpreendentemente bem em terreno seco e rochoso, semelhante ao de Marte.

Suas descobertas, publicadas no mês passado na revista PLOS One, têm implicações óbvias para a possibilidade de explorar ou mesmo se estabelecer naquele planeta distante. Mas entender como cultivar culturas nas condições extraordinariamente adversas em outros planetas faz mais do que garantir que aqueles que as colonizarem possam se alimentar. Isso ajuda quem está aqui em casa a continuar fazendo o mesmo enquanto nosso planeta aquece.

“As pessoas realmente não têm essa percepção porque parece distante, mas, na verdade, nossa prioridade é desenvolver isso em benefício da Terra”, disse Gonçalves. “A Terra é linda, única, rara e frágil. E precisa de nossa ajuda”.

A técnica de intercropping, ou o cultivo de diferentes culturas próximas umas das outras para aumentar o tamanho e o valor nutricional dos rendimentos, requer menos terra e água do que o monocultivo, ou a prática de plantar continuamente apenas uma coisa.

Embora comum entre pequenos agricultores, particularmente na América Latina, África e China, a técnica de intercropping continua sendo uma novidade numa grande parte do mundo. Isso se deve parcialmente à complexidade do manejo desses sistemas e, em grande parte, a preocupações infundadas sobre a perda de rendimento e a suscetibilidade a pragas. Os programas modernos de melhoramento de plantas também tendem a se concentrar em espécies individuais e em uma tendência geral de menos diversidade no campo.

Aqui vemos uma oportunidade perdida, segundo Gonçalves. Evidências sugerem que a intercropping pode combater os impactos das mudanças climáticas e das práticas agrícolas insustentáveis na produtividade de solos degradados, que compreendem até 40% das terras agrícolas do mundo. “É realmente muito alto o potencial dessa técnica para resolver alguns dos problemas das mudanças climáticas”, disse ela.

O experimento para cultivar culturas em uma imitação de regolito marciano ocorreu em uma estufa na Universidade Wageningen, na Holanda. Crédito: Rebeca Gonçalves/Grist.

É por isso que ela decidiu tentar implantá-la em Marte, onde o regolito – nome da sujeira em outros mundos – não tem nutrientes ou vida biológica, não muito diferente dos solos altamente degradados da Terra.

Trabalhando em uma estufa da universidade, os pesquisadores plantaram uma variedade de tomates, cenouras e ervilhas em uma simulação do material solto que cobre a rocha do planeta depois de aumentá-la com um pouco de nutrientes e solo.

O que eles descobriram foi que, embora a técnica de intercropping tenha dobrado a produtividade do tomate e produzido um crescimento mais rápido, bem como caules de plantas mais espessos em comparação com o monocultivo, as cenouras e ervilhas cresceram melhor por conta própria. (Os pesquisadores suspeitam que a quantidade limitada de nutrientes que eles adicionaram ao regolito grosseiro é a causa provável.) Por outro lado, o uso da mesma técnica para o cultivo em solos arenosos – o controle do experimento, encontrado em muitas regiões da Terra – aumentou significativamente a produtividade tanto do tomate quanto da ervilha.

Embora os resultados possam parecer mistos, o notável é que a equipe poderia cultivar qualquer coisa no regolito simulado – que é, como observa Gonçalves, essencialmente “pedra moída”.

É claro que as condições agrícolas em Marte – local extremamente frio, seco e com pouco oxigênio – são muito mais extremas do que as da Terra, onde as mudanças climáticas estão provocando secas crônicas e uma mudança de longo prazo para condições mais secas que esgotam ainda mais o suprimento de água.

Mesmo assim, a sujeira que cobre o Planeta Vermelho tem semelhanças impressionantes com o solo terrestre arenoso severamente danificado pelas mudanças climáticas de regiões áridas e semiáridas em todo o mundo, incluindo áreas da África Subsaariana, norte da China e porções do sul da América do Sul – celeiros onde nos últimos anos a escassez de água e os padrões voláteis de chuva resultaram no fracasso de colheitas e na redução de sua produtividade.

Os autores por trás desse experimento demonstram que essa técnica pode ser uma solução inexplorada para ressuscitar terras agrícolas esgotadas – ao mesmo tempo em que aborda o problema generalizado do uso da terra pela agricultura. Estudos anteriores mostraram que, em média, a intercropping com duas culturas precisou de 19% menos terra do que cada cultura individual que foi cultivada isoladamente.  

“Pegue uma aldeia na África que está sofrendo com solos degradados, e que os agricultores estão sofrendo, a comunidade está sofrendo. Se pudermos ter a configuração que criamos para uma colônia marciana, não seria diferente de uma pequena aldeia africana, porque poderíamos ter lá a mesma tecnologia”, disse Gonçalves. “São realmente infinitas as possibilidades que podemos aplicar, quase duplicando esse sistema de colônias marcianas, em comunidades locais na Terra”.

Artigo original (em inglês) publicado por Ayurella Horn-Muller na Grist. Assine a newsletter semanal da Grist aqui.

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