Data centers de IA estão minando as soluções climáticas
O escrutínio dos data centers se intensificou por conta do sigilo das empresas de tecnologia, do consumo de energia e dos impactos sociais sobre clientes, formuladores de políticas e comunidades.
Alguns setores das indústrias química e petrolífera têm ampla experiência em estar nas miras política e social por longos períodos. A mais recente estratégia corporativa equivocada pertence ao setor de tecnologia. Embora as controvérsias sobre a proliferação de data centers tenham crescido localmente, uma gama mais ampla de sigilos, impactos econômicos, ambientais e sociais foi catapultada para o cenário nacional.
Como os data centers se tornaram tão controversos?
A indústria de tecnologia, incluindo data centers, há muito se deleita com a reputação de uma indústria “limpa” que facilitaria a transição para uma economia descarbonizada e investiria em portfólios de energia renovável para suprir suas necessidades de energia e para fornecer receitas fiscais e outros benefícios às comunidades locais. A realidade dessa reputação tem sido mais complicada, pois a contaminação por poluentes atmosféricos e águas subterrâneas pelo uso de produtos químicos em operações de semicondutores era proeminente já na década de 1980.
As controvérsias decorrem do fato de que os data centers são inerentemente intensivos em energia e recursos por conta da grande escala e complexidade de suas operações. Eles fornecem energia e resfriamento para um grande número de servidores e operações de rede necessárias para processar e armazenar enormes quantidades de dados. Vários problemas importantes se originam dessas características:
- A Agência Internacional de Energia estima que de 2022 a 2026, o consumo global de eletricidade dos data centers dobrará, atingindo mais de 1.000 terawatts-hora em 2026, uma quantidade equivalente a todo o consumo anual do Japão. Até 2030, espera-se que os data centers exijam até 9% da eletricidade dos Estados Unidos de acordo com o Electric Power Research Institute – um aumento maciço em relação aos atuais 1,5%.
- As concessionárias enfrentam grandes desafios no fornecimento futuro de eletricidade para data centers, veículos elétricos, criptomoedas e outras fontes novas de demanda. Concessionárias como Dominion Energy, Duke Energy e Georgia Power desenvolveram planos para atrasar o desligamento de usinas a carvão e adicionarão capacidade de gás natural para atender uma expectativa de eletricidade no futuro. A North American Electric Reliability Corporation (NERC) conclui que os fornecedores de eletricidade terão dificuldades para acompanhar as necessidades em expansão e que os planos de geração de energia precisam levar em consideração a estabilidade da rede.
- Os data centers também consomem quantidades substanciais de água para operações de resfriamento. Em 2021, os data centers do Google extraíram cerca de 4,3 bilhões de galões de água. Em média, um data center do Google usa 450.000 galões de água por dia.
- Ruído, linhas onipresentes de energia e a expansão constante das operações de data centers interromperam muitos estilos de vida da classe média. Em alguns casos, novos prédios de data center surgiram diretamente adjacentes a áreas residenciais.
- A expectativa de maiores receitas fiscais e de bons empregos oriundos da expansão dos data centers às vezes é neutralizada pelo ônus de contas de energia mais altas, de investimentos em infraestrutura ou da poluição que os moradores locais têm que enfrentar. Em alguns estados, a expectativa de uma maior base tributária local foi anulada por decisões estaduais de fornecer incentivos fiscais às empresas de tecnologia, reduzindo assim suas obrigações fiscais locais. Em outras áreas, menos empregos resultaram de investimentos no setor de tecnologia.
Essas e outras controvérsias estão ocorrendo em todo o país, mas em nenhum lugar de forma mais intensa do que em vários condados da Virgínia do Norte, por onde cerca de 70% do tráfego global da Internet passa por seus data centers.
De acordo com o The Wall Street Journal, a Amazon Web Services investiu US$ 52 bilhões na Virgínia entre 2011 e 2021 e planeja uma expansão adicional de US$ 35 bilhões até 2040. Somente o condado de Loudoun (a 72 km da capital americana) possui em torno de 3,4 milhões de metros quadrados de capacidade instalada de data center e pretende adicionar mais 3,9 milhões de metros quadrados no futuro.
O futuro está se revelando
O que está surgindo é uma agenda multifacetada, projetada em tempo real, que provavelmente será revisada muitas vezes no futuro de mudanças rápidas. Seus elementos-chave incluem:
- Demandas por maior transparência e responsabilidade de data centers. É difícil imaginar que as empresas de tecnologia não soubessem de antemão como seus planos significativos de expansão afetariam as comunidades locais. Seja na forma do aumento no consumo de água e de energia (e aumentos associados de gases de efeito estufa e outras emissões oriundas da eletricidade e de fornecedores locais), além de maiores níveis de tráfego e de ruído.
- Propostas para novos critérios de localização de data centers e supervisão regulatória. As autoridades estaduais e locais que supervisionam a localização e a conformidade de data centers estão avaliando a melhor forma de atualizar os fatores que elas consideram para aprovar novas construções. Isso incluiria o fechamento de brechas para exigir que as empresas paguem por atualizações de infraestrutura (linhas de transmissão expandidas e capacidade de energia) em vez de repassar esses custos para os contribuintes.
- Necessidade de novos padrões de desempenho. Tanto os padrões voluntários desenvolvidos pela indústria quanto os padrões federais estabelecidos por meio da colaboração da Agência de Proteção Ambiental e do Departamento de Energia são necessários para garantir a consistência do desempenho do data center e a confiança das partes interessadas.
- Novos objetivos do setor de tecnologia. Gigantes da indústria como Amazon Web Services, Microsoft, Alphabet [dona do Google] e Meta [dona do Facebook] estão revisando seus compromissos e práticas existentes para que possam se posicionar melhor contra os pedidos crescentes de moratória, regulamentação e tributação da construção. Em 4 de junho, a Microsoft publicou um novo “Datacenter Community Pledge” com uma série de compromissos com a sustentabilidade e com a comunidade.
Toda a indústria de tecnologia deve endossar a necessidade de padrões robustos de divulgação apoiados por uma supervisão regulatória eficaz. Ao mesmo tempo, as empresas devem endossar uma série de metas e métricas específicas, com prazos determinados para atender plenamente suas necessidades de eletricidade a partir de fontes renováveis de energia, tornarem-se positivas com relação ao uso de água, terem desperdício zero e oferecerem benefícios sociais específicos e abrangentes aos trabalhadores e comunidades, como espaços verdes adicionais, e redução da claridade e ruídos.
Os conflitos crescentes sobre os impactos negativos de energia, ambientais e sociais causados pelos data centers são da responsabilidade do próprio setor de tecnologia. Sem dúvida, as autoridades estaduais e locais, sempre buscando expandir sua base econômica, muitas vezes receberam novos investimentos significativos. No entanto, esses funcionários, por conta de sua falta de informação e experiência e do imenso poder financeiro e do lobby das empresas de tecnologia, permanecem em clara desvantagem na avaliação dos benefícios e externalidades de tecnologias tão grandes, complexas e em constante mudança.
A questão de agora em diante é saber se o dinamismo da indústria de tecnologia pode ser canalizado no sentido de acelerar a transição para uma sociedade mais sustentável e equitativa ou se os tambores dos investidores e da alta administração com expectativas de remuneração de curto prazo e altíssimas soarão vencedores.
Artigo original (em inglês) publicado por Terry Yosie na GreenBiz.
Sobre o autor
Terry Yosie ocupou cargos de liderança na Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e nas indústrias química e petrolífera. Mais recentemente, Yosie atuou como presidente e CEO do World Environment Center por 12 anos.